sábado, 22 de agosto de 2009

Os filhos bastardos da Progressão Continuada

A triste realidade dos alunos que vivem a exclusão pedagógica

Você certamente já conhece a Progressão Continuada, um sistema de gerenciamento do fluxo de alunos que suprime a reprovação em ciclos anuais ou semestrais e a extende para ciclos maiores, de dois, quatro ou mais anos, dependendo de como é implementada, e onde a reprovação ocorre apenas no último ano do ciclo, quando ocorre.

A Progressão Continuada tem como objetivo corrigir o fluxo escolar reduzindo ou eliminando as reprovações e permitindo a redução da defasagem idade/série dos alunos. Não é um sistema pedagógico e sim um sistema político-econômico que visa reduzir os custos do ensino, principalmente do Ensino Público, e produzir estatísticas mais palatáveis diante dos organismos internacionais e da população em geral.

Do ponto de vista econômico, a Progressão Continuada é uma solução de engenharia de produção que impede a formação de gargalos de produtividade (reprovações), reduz a mão de obra necessária (quantidade de professores), reduz a necessidade de investimentos (não necessitando muito investimento em novas escolas) e permite que a linha de produção (ensino) flua despejando no mercado o seu produto principal em gande quantidade: o aluno formado.

Mas do ponto de vista pedagógico, o que é a Progressão Continuada?

Seus defensores foram sempre muito incisivos ao apontarem as altíssimas taxas de reprovação dos sistemas anteriores à Progressão Continuada como um absurdo que gerava as distorções idade/série, causavam uma grande evasão escolar, desestruturavam o sistema de ensino exigindo um número muito grande de professores e escolas e, acima de tudo, geravam grandes traumas nos alunos reprovados, além de não contribuirem em nada com a aprendizagem destes. E eles estavam certos!

Argumentavam, e ainda argumentam, os defensores da Progressão Continuada, que esta permite ao professor acompanhar melhor o desenvolvimento dos seus alunos durante um período de tempo maior (o tempo do ciclo escolhido para o modelo de Progressão Continuada implantado, e que varia de estado para estado, de governo para governo ou mesmo de escola para escola). E este é um excelente argumento!

Dizem ainda que a convivência em um mesmo ambiente de alunos mais adiantados e outros mais atrasados é propícia ao desenvolvimento desses últimos e que, naturalmente, cada aluno tem seu próprio ritmo de aprendizagem, tem diferentes habilidades, gostos e histórias de vida, e que essa diversidade é um fator de enriquecimento do processo de ensino que a Progressão Continuada permite explorar melhor. E, mais uma vez, estão certos!

Mas o que isso tem a ver com a pedagogia?

A resposta é muito simples: nada!

Pedagogia, segundo o dicionário Aulete, é a ciência e conjunto de teorias, princípios e métodos da educação e do ensino. Um pedagogo, ou um professor de forma mais geral, é aquele que conhece e sabe aplicar com eficiência esse conjunto de teorias, princípios e métodos de forma a facilitar a aprendizagem dos seus alunos.

A Progressão Continuada, embora se justifique de várias formas como um sistema político, econômico e social (por permitir uma maior inclusão social de alunos que antes eram excluídos do sistema devido às seguidas reprovações), não propõe nenhuma nova teoria pedagógica, princípio instrucional ou método de ensino que facilite a aprendizagem do aluno, mas, pelo contrário, tem se mostrado como um sistema que dificulta ainda mais essa aprendizagem. Haja visto os resultados medíocres que se obtêm onde esse sistema foi implantado.

Olhando para a frieza dos números e comparando sistemas seriados e sistemas onde a Progressão Continuada implantou ciclos, não vemos nenhuma melhora nos índices de aprendizagem que possa apontar a Progressão Continuada como um avanço.

Se, por um lado, corrigimos o fluxo, diminuímos a evasão e melhoramos bastante a relação idade/série, por outro isso não significa que os alunos estejam aprendendo mais e evoluindo intelectualmente, mas tão somente que passamos a ter classes multisseriadas, como têm as escolas de regiões rurais onde um único professor trabalha com alunos de diferentes séries em um mesmo ambiente físico.

É possível trabalhar com classes multisseriadas e obter bons resultados? Sim, claro! Mas isso é possível se estivermos lidando com classes pequenas, professores especializados nesse tipo de ensino, materiais diversificados para os alunos e um tempo de convívio muito grande entre o professor e o aluno, o que é mais comum nas séries iniciais, mas é pouco frequente nas séries finais do Ensino Fundamental e absolutamente inexistente nas séries do Ensino Médio.

Do ponto de vista pedagógico, trabalhar com uma turma multisseriada e numerosa, não dispondo de materiais diversificados e estando acorrentado a um currículo que continua seriado, tem como resultado uma triste e nova forma de exclusão que verificamos atualmente em quase todas as classes: a exclusão pedagógica.

Aquele aluno que antes encontrava grandes dificuldades e era abandonado pelo sistema, reprovado e excluído da escola, agora continua enfrentando as mesmas dificuldades, continua abandonado pelo sistema e ao invés de ser excluído da escola está excluído da aprendizagem. Esse aluno passa o tempo na escola junto com os colegas, compartilha as brincadeiras e geralmente é até mais ativo e indisciplinado do que os demais, mas o direito de aprendizagem dele que a Progressão Continuada pretendia garantir continua não sendo respeitado. Ele está na escola, mas não aprende nada.

E não é culpa do aluno não aprender, como bem sabemos! Ocorre que em uma sala onde o professor está ensinando divisão, a possibilidade de que um aluno que não sabe multiplicar consiga aprender a dividir é tão pequena quanto a possibilidade que ele teria de aprender sozinho se não estivesse presente ali.

Embora muitos psicopedagogos tenham na ponta da língua o argumento de que os alunos reprovados ficam "traumatizados", e eu não discordo disso, não vemos nenhum psicopedagogo falando nada sobre os traumas causados a um aluno obrigado a conviver com outros que aparentemente são "muito mais inteligentes do que ele", tendo que fazer as mesmas tarefas e avaliações que os demais, mesmo não tendo capacidade para tal. Pelo menos a mim não parece que esse aluno se sinta bem sendo considerado "burro" por seus colegas e sentindo-se incapaz de aprender no ritmo deles.

Evidentemente não faltará quem diga que esse aluno deve receber uma atenção especial, que deve participar de programas de complementação (recuperação paralela, por exemplo), que deve ter suas dificuldades mapeadas e resolvidas a partir de atividades diferenciadas, etc., mas o que falta é gente para fazer tudo isso que se sabe ser necessário. O professor, que muitas vezes é apontado como o "culpado" pela exclusão pedagógica desse aluno, pode pouco fazer por ele se não tiver tempo para estudar detalhadamente as suas dificuldades, se não dispor de recursos e materiais específicos para as necessidades daquele aluno, se tiver que repartir sua atenção com mais trinta e poucos alunos dos quais pelo menos metade se encontra em situação de defasagem de aprendizagem como esse aluno, mas não exatamente "iguais a desse aluno".

Nessas circunstâncias seria preciso ter um professor para cada grupo pequeno de alunos cujo nível de aprendizagem é compatível entre si, e não seria nada recomendável que esse grupo compartilhasse das mesmas atividades de outros grupos mais avançados ou mais atrasados. A boa pedagogia recomenda que se siga o desenvolvimento natural dos alunos, como propôem os defensores da Progressão Continuada, mas não diz que isso possa ser feito justamente desrespeitando-se esse ritmo e submetendo-se esse aluno a atividades incompatíveis com o seu nível de desenvolvimento cognitivo.

A grande verdade é que todas as causas que levaram a adoção da política de Progressão Continuada (repetência, evasão, exclusão e baixa aprendizagem) continuam presentes na escola onde a Progressão Continuada está implantada, a única diferença é que agora essa exlusão está mascarada pela presença de classes multisseriadas onde apenas os alunos com capacidade cognitiva compatível com as atividades curriculares em desenvolvimento conseguem progredir, enquanto os demais se vêem e se reconhecem como excluídos desse processo, desse convívio com a aprendizagem e mesmo de seus colegas, que lhe parecem nitidamente "diferentes" e "superiores". E se isso não afetar a auto-estima desse aluno, então não sei qual é o significado de "auto-estima" empregado quando se defende a Progressão Continuada em nome da elevação dessa auto-estima.

O notável desinteresse de muitos alunos, e mesmo as dificuldades relativas à disciplina desses alunos, estão intimamente ligadas ao fato deles não estarem aprendendo como os colegas. É notório que um aluno que não consegue compreender os conceitos que estão sendo apresentados a ele, que não consegue fazer as atividades propostas para todos e que é visto como "diferente" pelos colegas e pelos professores, vá naturalmente se comportar com desinteresse e rebeldia.

Por outro lado, muitos professores ainda hoje acreditam que o ensino seriado com alta repetência é um fator favorável à qualidade da aprendizagem, mas isso é outra grande bobagem porque os alunos que reprovam e que abandonam a escola também não aprenderam! Não basta dizer que os aprovados aprendiam bastante no sistema seriado, isso todos sabemos que também é verdade, mas é preciso dizer também que éramos capazes de ensinar bem apenas a alguns alunos e não a todos. E isso não mudou em nada com a adoção da Progressão Continuada. Continuamos ensinando pouco para poucos e excluindo um grande número de alunos, retirando deles o direito à aprendizagem.

O que fazer então? Se a reprovação é um sinônimo evidente da má qualidade do ensino, e se a Progressão continuada não melhorou essa qualidade, como melhorá-la?

Evidentemente a resposta é complexa, custa caro e envolve muito trabalho, e esses são três fatores que espantam rapidamente todos os responsáveis diretos pela Educação: governos, secretarias de educação e educadores! Embora as soluções sejam do conhecimento de todos, parece que ninguém quer implementá-las porque elas não são mágicas e dependem de todos os envolvidos.

É realmente uma pena que os governos culpem os professores, que os professores culpem os alunos e que os alunos nem tenham consciência de que existam culpados. Mas o fato é que ninguém agora quer assumir a paternidade dos milhares de filhos bastardos da Progressão Continuada que foram despejados das escolas semi-alfabetizados e que estão destinados a serem mão-de-obra barata e desqualificada pelo resto de suas vidas.

Também é penoso reconhecer que a Escola, como instituição que engloba professores, administradores e governos, embora seja o ambiente mais intelectualizado que se pode encontrar em uma empresa, onde todos são diplomados e supostamente inteligentes, continue sendo uma instituição burra onde a inteligência parece ter sido reprovada e expulsa. E o mais triste é que nós todos fazemos parte disso.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Professores pseudo-adolescentes e a síndrome do “Orkut presencial”

Porque o Orkut e o MSN fazem tanto sucesso entre os alunos na faixa etária dos 11 aos 17 anos, justamente quando estão em um período reconhecidamente complexo de suas vidas chamado de "adolescência"?

Não é preciso ser nenhum especialista em psicologia da adolescência para concluir algo que é até excessivamente visível: é nessa época em que os jovens investem quase todas as suas energias nas relações sociais. O Orkut e o MSN são para eles simplesmente expressões modernas da possibilidade de ampliarem e intensificarem seus relacionamentos sociais.

A adolescência é linda! É uma época de descobertas, transformações e inquietações. Os hormônios invadem a corrente sanguínea e despertam, dentre outros efeitos, emoções, sensações e comportamentos diretamente ligados à necessidade biológica de inserção em grupos sociais. O corpo se transforma, os interesses mudam, novas necessidades surgem e os casulos vão se rompendo aos poucos, em uma metamorfose esplêndida.

Metralhados por todos os lados pelo marketing da sociedade de consumo, à caça de valores em um mundo que lhes pode oferecer qualquer coisa, com ou sem valor, em um tempo de suas vidas em que "ética", "moral" e "valores" são conceitos ainda em formação em cada um deles e, contando muito pouco com “modelos adultos” para se inspirarem, como vivem e sobrevivem esses adolescentes? O que a escola tem com isso?

Se os adolescentes não frequentassem a escola, e se não fosse justamente nesse período onde o seu aprendizado é mais prejudicado, a escola certamente não teria com o que se preocupar. Mas não é assim e, justamente por ser a escola atual o ambiente de relacionamento social mais intenso desses adolescentes, é que se faz necessário refletir um pouco sobre como podemos compreender melhor o comportamento adolescente na escola e porque nós, professores, temos um papel importante nesse comportamento.

Se você conhece algum adolescente que procura ficar sozinho, não tem muitos amigos e “não se entrosa muito bem com os demais”, fique de olho, ele pode estar com algum problema! Você já deve ter ouvido isso muitas vezes, não é mesmo? É claro que existem adolescentes assim, “quietos”, mas, ou eles realmente têm problemas, ou são exceções e podem ser eliminados da regra geral sem prejuízo do raciocínio.

Quando colocamos dois adolescentes juntos em uma sala fechada, rapidamente eles engatam alguma conversa. Se colocarmos dez deles em uma sala, sairá de lá uma grande discussão e uma conversa desorganizada beirando ao caos. Com vinte deles já temos uma situação onde é praticamente impossível manter qualquer conversa sem gritar no ouvido do outro, tamanho é o barulho das tantas conversas paralelas entre eles. Por fim, se juntarmos trinta ou quarenta deles em uma mesma sala, sabe o que teremos? Teremos uma sala de aula! :)

É bastante comum ouvirmos expressões como: “os adolescentes de hoje não tem limites”, “fulano não teve educação em casa”, “sicrano não tem noção de civilidade” ou “beltrano não consegue ficar quieto”. Sem contar as famosas queixas “daquela quinta série insuportável”, “daquele primeiro colegial que fala o tempo todo”, e por aí vai... É raro um professor que consegue falar para sua turma de adolescentes sem que algum deles lhe interrompa para soltar alguma gracinha, ou que simplesmente ignore a fala do professor e engate uma conversa com o colega ao lado. Quase tão raro quanto encontrar um professor que compreenda que “esse é o estado natural de convivência dos adolescentes”.

Adolescentes não respeitam uns aos outros, eles competem por popularidade, liderança e destaque no grupo. Adolescentes desconhecem a mecânica das conversações argumentativas, eles disputam opiniões no grito e, às vezes, no braço. Adolescentes não têm interesse por temas desvinculados de suas problemáticas pessoais e momentâneas, eles passam o tempo todo conversando sobre si mesmos. É isso que fazem no Orkut, é isso que fazem no MSN e é isso que fazem na moderna versão presencial desses ambientes: a escola!

Se hoje é muito difícil mantê-los calados ou focados em outra coisa que não seja neles mesmos, não é porque os adolescentes mudaram muito em relação ao que fomos quando éramos adolescentes, mas porque mudou a escola, a sociedade e os valores que pais, professores e alunos cultivam. É dessa mudança, desigual, assíncrona e despropositada, que nascem os conflitos em sala de aula, teorias pedagógicas conflitantes propondo resolvê-los e, invariavelmente, duas situações inconciliáveis: a do professor que vive profundamente incomodado com a “falta de modos” dos seus alunos, e a dos alunos, que vivem profundamente insatisfeitos com o professor que lhes incomoda e tenta impedi-los de fazer aquilo que eles vêm como necessário e natural na escola: socializarem-se.

Se houve um tempo em que dois alunos conversando, enquanto o professor falava para a classe toda, era visto como falta de educação, hoje os alunos vêem como impertinente o comportamento do professor que lhes chama a atenção e pede que encerrem sua conversa. Mas porque isso acontece? Porque os alunos hoje se sentem no direito de enxergar na escola apenas um “Orkut presencial”? E porque isso se dá, surpreendentemente, apenas com alguns professores e não com todos?

Se você perguntar para um aluno porque que ele conversa na aula do professor X e fica quieto na aula do professor Y, ele provavelmente lhe responderá que é porque o professor Y é chato, pega no pé, não tem respeito pelos alunos e por qualquer bobagem toma atitudes punitivas injustas. Enfim, o professor Y, que o aluno parece não gostar, mas respeita, é bastante diferente do professor X, que o aluno invariavelmente gosta mais e respeita menos. O que torna o professor X diferente do professor Y não é realmente a simpatia, a equidade, a justeza de atitudes ou qualquer outra coisa do gênero, mas sim, e tão somente, o grau de “pseudo-inserção na turma” que cada professor tem.

Professores do tipo X que, como adolescentes, convivem com a algazarra e se fazem ouvir pelos berros que dão, são, aos olhos dos seus alunos, adolescentes crescidos e ridículos que podem ser ignorados como membros desqualificados da turma, como outros adolescentes sem importância dentro do “grupo-sala”. Quando esses professores têm seus acessos de fúria e exigem respeito, os adolescentes os vêm como colegas sem mérito disputando a liderança do grupo e, não raro, vê-se um grupo todo de adolescentes insurgindo contra esses professores e criando verdadeiras “brigas de torcida”, onde o professor em questão ouve os mesmos elogios que os árbitros de futebol. Ainda que esses professores sejam apontados muitas vezes como os “mais legais”, eles só são apontados assim quando não estão em situação de conflito e nem tentando subverter a “ordem adolescente” estabelecida na sala de aula. As aulas desses professores são classificadas pelos próprios alunos como “perca total” (corruptela de "perda total"; expressão que tem um significado mais ou menos próximo de “aula onde não se aprende nada, mas que pelo menos se pode fazer a bagunça que quiser”).

Do outro lado, o professor Y, aquele sujeito chato, injusto, pegajoso, que pune por qualquer bobagem, exige silêncio durante suas falas, “explica mal”, “é mal educado, grosso e arrogante”, etc. etc., distanciando-se, propositadamente ou acidentalmente, do perfil adolescente, é visto como o “adulto chato”, “aquele que manda”, “aquele que não compreende o adolescente” e que, por isso, não pode e nem deve ser tratado como se fosse do grupo. Ele não merecerá elogios fáceis e receberá muitas críticas, mas será tratado como o “macho alfa” do bando (ou “fêmea alfa”, se for mulher). Se for justo e fizer uso de sua autoridade nos estritos limites do seu dever de ofício, acabará por conquistar o respeito “natural” de alguns alunos e poderá até mesmo se tornar modelo para os líderes dos diversos bandos adolescentes que disputam liderança entre si. Um dia talvez seja lembrado como “o Sr. Y, aquele que era f..., mas era legal e ensinava prá valer”.

Um pouco por obra da mídia, outro tanto pela adoção pela sociedade de um modelo de “ética de consumo” mas, principalmente, por demérito próprio, o professor, seja lá qual for o perfil dele, X ou Y, sempre encontrará pela frente novas turmas que disputarão consigo a liderança da classe. E essa é a grande diferença em relação às gerações passadas! Talvez, a única diferença significativa.

Nessa luta, se ele for do tipo X, rapidamente se dará um “acordo em desacordo de cavalheiros com modos rudes”, onde o professor aceitará passivamente uma liderança compartilhada em troca da pseudo-simpatia dos alunos (que, na verdade o desprezam pela frouxidão que demonstra e jamais o pretendem como modelo) e do baixo nível de cobrança que terá deles e do sistema (que tende a premiar ou ignorar o professor que passa desapercebido).

Se ele for do tipo Y terá de enfrentar vários adolescentes que disputam entre si (e não com o professor!!!) a liderança de seus grupos e que vêm no conflito com o “macho-alfa” (ou “fêmea-alfa”) uma forma de demonstrarem sua valentia; enfrentará, muito possivelmente, gestores que alegam já terem muita burocracia para cuidar e se incomodam quando há conflitos e questões pedagógicas para lidarem; terão de encarar pais que, tendo compartilhado a liderança de seus lares com seus filhos adolescentes, mas tendo também que vestir a fantasia de “pais protetores” perante a escola e a sociedade em geral, cobrarão desses professores “mais justiça com seus filhos”, “mais compreensão”, “mais tolerância”, enfim, mais tudo daquilo que eles mesmos deram tanto a ponto de perderem até mesmo a noção de que os seus filhos adolescentes, por mais incríveis que sejam e por melhor compreendidos que forem, serão apenas adolescentes até o dia em que conseguirem se tornar adultos (quiçá, bons adultos baseados em bons modelos).

Atualmente existe uma confusão muito grande entre o que se deve entender por “professor autoritário” e o que significa ser um “professor com autoridade”. Professores autoritários já estão extintos, foram-se junto com a escola autoritária, com os pais autoritários e com a sociedade autoritária de outrora. Nenhuma escola, lar ou instituição social, e creio que nem mesmo o próprio exército, consegue ser “autoritário” no contexto social em que vivemos. Donde decorre que o único meio pelo qual o professor pode garantir sua autoridade consiste justamente na sua capacidade de manter a autoridade que ele naturalmente tem por obra de seu ofício, pela compreensão da importância de representar um bom modelo adulto para os seus alunos e pela fibra moral de seus valores pessoais. O professor já vem para a escola com sua autoridade embutida nele. Ele pode perdê-la, abrir mão dela ou, simplesmente, não encontrá-la em si mesmo, mas ele não precisa buscá-la em nenhum outro lugar.

Ser capaz de gerir os conflitos em sala de aula, estabelecer regras justas, torná-las de conhecimento geral, não modificá-las por simpatia ou antipatia com alunos específicos e fazê-las cumprir com equidade e justiça; compreender as causas e formas de conflito mais comuns, manter-se sempre no nível superior das tomadas de decisão e não se deixar confundir com os próprios adolescentes em disputa; não se permitir ser influenciado psicologicamente pelos alunos e não perder o seu controle emocional, seus objetivos pedagógicos e suas metas como educador; isso tudo não é nada além do que a obrigação mínima de qualquer professor adulto.

Enfrentar os desafios que se seguem naturalmente dessa postura, orientar alunos e pais de alunos, administrar os conflitos com a gestão da escola e, ao final, produzir alunos com melhor aprendizado, mais habilidosos e capacitados para enfrentar uma vida de adultos, proporcionando a eles um modelo adulto de professor; isso tudo não é nada além do que a obrigação mínima de qualquer professor adulto.

O Orkut e o MSN são, naturalmente, espaços virtuais livres para a socialização dos adolescentes. O pátio da escola, a balada de fim de semana, o passeio com os amigos, as rodas de conversa nas calçadas, todos esses, são espaços reais livres para a socialização dos adolescentes. A sala de aula não! A sala de aula é um espaço para a socialização do conhecimento.

A sala de aula NÃO É um “Orkut presencial".