segunda-feira, 20 de novembro de 2006

Computadores como ferramentas de aprendizagem

Quando comecei a publicar uma coluna sobre Informática Educacional, lá pelos idos de 1998, eu me lembro que meu primeiro artigo abordava a importância do uso dos computadores como ferramenta de ensino-aprendizagem. Nele eu tentava mostrar que os computadores e a Internet poderiam ser ferramentas poderosas para pesquisa, aprendizagem, interatividade e autoria.

De lá para cá muita coisa mudou no mundo da informática e dos computadores. Vejam, por exemplo, um trecho do texto que eu escrevi naquela época:

“Além dos games e dos bate-papos nos chats da Internet, e eventualmente para se ouvir uma música de CD no multimídia, para que mais servem processadores poderosos, acima de 200 MHz, placas de som sofisticadas, 32 Mb ou mais de memória RAM, HDs de 2 Gb, dispositivos de multimídia de 36X, modens de 33.6 bps, placas de vídeo, etc., etc.? Será que tamanho poder de processamento só serve para joguinhos e bate-papos?”.

Hoje, oito anos depois, estou escrevendo esse texto em um computador com processador de quase 3 GHz, 512 Mb de memória RAM, HD de 80Gb, placa de vídeo de 128 Mb, gravador de DVD, placa de TV, placa de som, e Internet com conexão a cabo de 600 Kbps e, no entanto, essa configuração do meu computador já pode ser considerada “quase obsoleta”. É, o tempo passa rápido quando nos movemos na velocidade da tecnologia.

Relendo meus velhos artigos e confrontando-os com os fatos que observei nas escolas durante essa quase uma década, eu noto claramente que a passagem do tempo não tem o mesmo ritmo quando comparamos a evolução tecnológica e a evolução de nossos processos educacionais. Mas isso não é novidade para ninguém: a escola é uma das instituições mais lerdas que existe quando se trata de implementar mudanças, ainda que, paradoxalmente, ela se proponha a ser um fator gerador de mudanças.

Se por um lado algumas concepções teóricas sobre a educação mudaram razoavelmente ao longo da última década, por outro lado pouco se fez no sentido de se implementar novas metodologias de ensino-aprendizagem. O “Giz e Lousa” continuam sendo, e serão ainda por muito tempo, os “reis do pedaço” quando se fala em educação.

O professor que uma década atrás se espantava diante de um computador ainda é, quase sempre, o mesmo que se sente impotente diante da mesma máquina, quer ela seja mais poderosa ou não. O grande problema da falta de uso educacional dos computadores não parece ser a falta de poder de processamento da máquina, sua falta de utilidade ou mesmo sua complexidade, mas sim a falta de poder de apropriação pedagógica dela por parte de professores e alunos.

Os computadores continuam sendo brinquedos caros, como eu já alertava em 1998. Muitos professores os têm em casa, mas são para o uso dos filhos e não deles mesmos. E esses, que segundo a crença popular vigente entre muitos professores, são os “expertises das novas tecnologias”, continuam fazendo o que toda criança ou adolescente faz durante o seu enorme tempo de ócio: brincam com seus brinquedos.

Não acredito, sinceramente, que alguma criança ou adolescente (e mesmo muitos adultos) vá abrir mão de seu brinquedo e transformá-lo em ferramenta de estudo e aperfeiçoamento educacional por conta própria. Essa tarefa transformadora não cabe aos alunos, mas sim a nós: educadores. Mas como exigir deles que usem bem o computador e a Internet se nós mesmos não os usamos nem para o bem, nem para o mal? Essa talvez seja a grande e verdadeira questão.

Oficinas de capacitação de professores para o uso pedagógico dos computadores e da Internet são oportunidades raras e valiosas de aprendizagem de novas metodologias e técnicas de ensino-aprendizagem. Mas elas geralmente esgotam-se em si mesmas e ao retornarem para a sala de aula os professores encontrarão a sua frente apenas o velho giz e lousa com os quais já estão muito bem adaptados.

Na rede pública de ensino uma quantidade imensa de alunos nunca usou um computador. São os alunos “digitalmente excluídos”. É preciso incluí-los, pois eles vivem e viverão ainda muitos anos em um mundo todo digital, todo tecnológico. Mas como incluí-los se os próprios professores são percentualmente mais excluídos do que seus alunos? Como levar o “Joãozinho” para a Sala de Informática da escola, onde muitas vezes os computadores estão ganhando poeira, depreciando e tornando-se mais e mais obsoletos a cada dia, se o professor ao chegar em sua própria casa nem nota o computador com o qual o filho se diverte batendo papo no MSN ou lendo seus recados no Orkut?

As novas gerações de professores que estão chegando agora às salas de aula já não têm mais o mesmo sentimento de impotência diante do computador como têm os seus colegas já de final da carreira, mas isso também não está facilitado muito as coisas. Não basta não ter medo do computador, é preciso saber para que ele serve se pretendemos fazer bom uso dele. Professores que só usaram computadores para bater papo na Internet, jogar games ou, quando muito, digitar um texto mal formatado no Word, não são os protótipos ideais de “professores digitais”.

Quem, como professor ou aluno, nunca usou a Internet para fazer uma pesquisa “séria” e não apenas um “copy-past”, não saberá mesmo como ensinar o aluno a fazer uma boa pesquisa. Professores que não aprenderam a aprender e se aperfeiçoar usando os computadores, dificilmente poderão ensinar o que não sabem para outra pessoa.

[Na figura acima o professor Suez confronta a velha “papeleta de notas” com a moderna planilha de notas eletrônicas em um projeto de informatização desenvolvido na EE Neuza Maria Nazatto de Carvalho.]

Na rede pública de ensino há ainda uma demanda enorme de computadores para equipar centenas de escolas que não dispõe de uma Sala de Informática. Em outras tantas escolas os computadores já estão ultrapassados e não dão mais conta de rodarem sistemas operacionais modernos ou mesmo de lidar com a Internet midiática atual. É preciso suprir essas demandas, enfim, as máquinas mudaram, o mundo mudou, embora nas escolas os professores continuem quase os mesmos. Mas é preciso fazer também, e urgentemente, um “upgrade” nos professores e não apenas nas Salas de Informática. Precisamos de “professores digitais”.

Um professor digital, a meu ver, deveria possuir algumas habilidades que lhe permitisse fazer bom uso dos computadores para si mesmo e, por extensão, ser capaz de usá-los de forma produtiva com seus alunos. As “habilidades” que listarei a seguir são discutíveis e não só não resumem todas as habilidades possíveis ou desejáveis, como também não se sabe ao certo quantas seriam necessárias para que se pudesse qualificar alguém como “professor digital”. Arrisco-me, no entanto, a afirmar que quantas mais forem as habilidades possuídas, mais perto se chegará do perfil de um professor digital:

1. Possuir um endereço de e-mail e ler os seus e-mails pelo menos duas vezes por semana (o ideal seria lê-los diariamente);

2. Possuir um blog, um site ou uma página atualizável na Internet onde regularmente se produz, socializa e se confronta seu conhecimento com outras pessoas;

3. Participar ativamente de um ou mais “grupos de discussão”, fórum ou comunidade virtual ligada à sua atividade educacional;

4. Possuir algum programa de troca de mensagens on-line, como o MSN, com, no mínimo, dois colegas de profissão em sua “lista de contatos” e usá-lo para fins profissionais pelo menos uma vez por semana, em média;

5. Assinar algum periódico on-line (mesmo que gratuito) sobre notícias e novidades relacionadas à educação ou à sua disciplina específica, e lê-lo regularmente;

6. Preparar rotineiramente provas, resumos, tabelas, roteiros e materiais didáticos diversos usando um processador de textos (como o Word, por exemplo), uma planilha eletrônica (como o Excel) ou um programa de apresentações multimídia (como o PowerPoint);

7. Fazer pesquisa na Internet regularmente com vistas à preparação de suas aulas (no mínimo) e, preferencialmente, manter um banco de dados de sites úteis para sua disciplina e para a educação em geral. Melhor ainda seria compartilhar esse banco de dados com colegas e alunos;

8. Preparar pelo menos uma aula por bimestre sobre um tema de sua disciplina onde os alunos usarão os computadores e a Sala de Informática de forma produtiva e não apenas para “matar o tempo”;

9. Manter contato com o computador por, pelo menos, uma hora diária, em média.

10. Manter-se atento para as novas possibilidades de uso pedagógico das novas tecnologias que surgem continuamente e tentar implementar novas metodologias em suas aulas.

Note que na lista acima não foi incluída em nenhum item a necessidade de se “possuir um computador”, porque de fato não é preciso possuir algum para ser um professor digital, ou mesmo para incluir-se digitalmente. No entanto, muitos professores que conheço possuem computadores e acesso à Internet, mas não chegam a ter nem três das dez habilidades listadas acima.

Todas as habilidades acima envolvem o “fazer”, o agir, a inclusão efetiva do professor no mundo digital. Nenhuma oficina de capacitação ou curso de computação, por si só, traz nenhuma das habilidades acima, pois todas elas demandam o “uso regular do computador e da Internet”. No entanto, não é difícil perceber que as habilidades acima são desejáveis a qualquer professor que queira usar os computadores e a Internet como ferramenta de ensino-aprendizagem.

Aproveite então e faça você mesmo o teste para medir o quanto você se enquadra no perfil do professor digital. Some um ponto para cada item dessa lista que se aplicar a você. Caso você some mais que cinco pontos já pode se considerar como parte da vanguarda dos professores digitais.

7 comentários:

  1. Olá José Carlos,

    Gostei muito de seu texto. Coordeno a Sala Informatizada de uma escola municipal há seis anos e, neste tempo,muitos foram os avanços mas, infelizmente, há ainda a verlha resistência por parte de alguns colegas.
    Vou deixar aqui o endereço do blog da escola e, a partir dele, você poderá visitar alguns outros trabalhos desenvolvidos com os alunos e registrar seus comentários.Será um prazer!

    http://caicmariano.blogspot.com

    Abraços!
    Prof. Gládis
    Joinville, SC

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  2. Caro colega José Carlos,

    Lí o seu artigo e gostei muito mesmo. Se tudo o que você diz faz parte do "professor digital", entao posso considerar-me um deles. Tenho uma escola de Português-Língua Estrangeira (www.terra-brasil.de) e na minha homepage procuro trabalhar com alguns recursos digitais disponíveis:programas como o HotPotatoes, por exemplo. Sinto que meus alunos gostam quando faco com eles "jogos" onde trabalhamos o que foi aprendido. Infelizmente aqui na Alemanha só tem acesso a cursos de formacao na área de informática na escola aquele que é professor na rede estadual de ensino,o que nao é o meu caso.
    Um grande abraco, e espero que continue nos presenteando com artigos como este.
    Cecília Spatz

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  3. Olá José Carlos!
    Gostei muito se seu texto! De certa forma, ele se relaciona com um "tema" que não tem saído da minha cabeça desde que li "Estudar não é ter aulas" do Professor Pedro Demo... Eu acrescentaria na sua lista a habilidade de saber estudar entendido como Pedro Demo coloca: "leitura sistemática, a pesquisa, desconstrução e reconstrução do conhecimento".
    Um abraço
    Miriam

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  4. Muito legal mesmo, José Carlos. Outro dia estava lendo uma artigo na revista novaescola sobre tecnologias e pude ver a realidade sobre a informatização em nível nacional. As escolas que possuem acesso à Internet são pouquíssimas e a maioria delas está nas regiões sul e sudeste. Mas ainda essas poucas escolas enfrentam um problema sério que é exatamente o citado por você no artigo. Poucos são os professores que abrem espaço para a informatização em seu trabalho.Sou responsável pela SAI (sala ambinete de informática) e vejo o quanto esse espaço é pouco utilizado, salvo os projetos de reforço como o trilha del tras e o números em ação, poucos professores se utilizam do laboratório de uma maneira adequada. Não tanto por falta de interesse, mas especificamente por falta de conhecimento. Muitos dependem dos alunos monitores para ligar e desligar a rede, embora todos tenham sido ensinados. Há, no entanto, aqueles que buscam ampliar seus conhecimentos e utilizar essa importante ferramenta, que é a informática para fins educativos.

    Visite meu site: www.mundodedeborah.escolabr.com

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  5. òtima sua colocação....a escola vive dentro de uma realidade de séculos passados enquanto que a sociedade abraçou a tecnologia informática a seu favor transformando=se e reinventando-se para sobreviver aos novos tempos.A resistencia ao novo sempre vai existir....muitos de nós gostam da rotina...e as novidades ao invés de mexer com o espirito, aguçar a curiosidade e o empreendedorismo representam uma ameaça a ordem reinante. Coordeno uma sala de tecnologia educacional em Campo Grande (MS) e desenvolvemos trabalhos e projetos integrando as mídias além de procurar capacitar e conscientizar os professores da escola sobre a importÂncia do uso de novas tecnologias hoje nas escolas;Como disse Rubem Alves :"O professor que teme ser substituído pelo computador merece sê-lo".

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  6. Olá, colega José Carlos,
    Gostei muito do seu texto e concordo com tudo o que disseste. Sou professora de Língua Portuguesa e Literatura e iniciei meu trabalho em uma escola de Ensino Médio e que está iniciando o trabalho com o Laboratório de Informática. Tudo novinho em folha. Lindo demais!!!!
    Alguns professores estão preocupados sim em taproveitar mais esta ferram,enta e é uma pena que nem todos pensem assim. Mas parece que o novo causa mesmo muiito medo. Já ouvi professores comentando sobre o acesso a páginas impróprias para menores, o medo de que um aluno acesse sem que ele perceba. É mesmo muito complicado ter uma unidade em uma escola.
    Mas o que eu quero lhe dizer que passei no seu teste, me sinto uma professora digital.

    Parabéns pelo seu blog e dê uma passadinha para ver os trabalhos que estou fazendo com meus alunos: www.letraleve.blogspot.com

    Um abraço

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  7. Boa noite José Carlos Antonio,

    Achei interessante sua proposta, estou construindo um site com o objetivo de contribuir para um "Brasil mais inteligênte" http://paulokaupa.webng.com

    Veja, podemos trocar materiais entre outros.

    Abraços,

    Paulo Kaupa

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