Cola na escola |
Tanto quanto o sexo e as fases da Lua, a cola é coisa antiga. Provavelmente anterior à própria escola e seu esdrúxulo sistema de provas. Mas, afinal, o que é a cola?
Segundo o dicionário Priberam (http://www.priberam.pt/dlpo/cola): Cola - Anotação usada fraudulentamente como auxílio num exame. Numa definição mais flexível, e ainda no contexto da escola, poderíamos dizer que é qualquer fonte de informação não autorizada que se utiliza para plagiar a produção intelectual de outrem, atribuindo a si mesmo a autoria dessa produção.
Cola-se na escola copiando respostas de alguma fonte, seja ela a internet, uma anotação própria em qualquer formato ou mídia, ou, ainda, um material com o consentimento de outrem (como um colega do lado). Mas espere um pouco... E se o aluno cola de sua própria memória? Aí pode!!!
Talvez você se lembre daqueles questionários de história, de geografia, ou da lista de verbos irregulares do inglês ou, ainda, da fórmula de Bhaskara (aquela maldita fórmula que dá as raízes da equação do segundo grau). Lembra que, ou você conseguia decorar isso tudo para colar da própria memória, ou precisava "fazer anotações"?
Pensando bem, todos que saímos "daquela escola" colamos. Alguns foram elogiados pela aprendizagem - leia-se: capacidade de memorização - enquanto, outros menos afortunados, foram punidos por colarem usando "outras mídias". Mas pouco de nós realmente produzimos algum conhecimento, ou demonstramos competências para tal, enquanto estávamos presos àqueles paradigmas.
Hoje, quando vemos professores desesperados com a facilidade com que os alunos podem colar usando a internet, deveríamos nos perguntar se realmente isso não é bom. Cola por cola a internet é uma fonte bem mais segura de informação do que nossa triste memória, e bem mais rápida do que os livros didáticos ou mesmo as "anotações", tão bem guardadas fora da vista do professor.
Mas, e se não quisermos que os alunos colem? Devemos "fechar a internet", sequestrar todos os smartphones, colocar câmeras de vigilância e espiões da CIA nas salas de aula? O que se pode fazer para impedir que os alunos colem?
A resposta é tão simples que chega a doer na gente: peça-lhes, simplesmente, que produzam algum conhecimento. Simples assim!
Deixe o aluno usar o seu smartphone, deixe que consulte a internet, seus colegas, que telefone para sua mãe ou seja lá para quem for que queira consultar. Pouco importa. Se você souber propor um problema que implique na criação de uma resposta original, com elementos de pessoalidade, ninguém, ninguém mesmo, será capaz de lhe dar uma resposta melhor do que a que ele mesmo pode fornecer.
E é fácil fazer isso??? É claro que não!!! Nenhum professor (ou talvez quase nenhum) passou por semelhante situação na escola. Na verdade os professores aprenderam a colar tão bem (ou melhor) que seus alunos, mas muito raramente foram colocados diante de situações onde "não existiam respostas prontas e nem a possibilidade de conseguir uma resposta de outrem". Logo, a maioria dos professores realmente não sabe como propor desafios desse tipo porque nunca os enfrentou na escola.
Nessa altura do campeonato você deve estar com um sorrisinho maroto no canto da boca e um pensamento maldoso na cabeça: "kkk, nem ele sabe!". Que maldade, é claro que eu sei. Se não soubesse não estaria escrevendo esse texto. :P
Então vamos a um exemplo bem simples de uma disciplina bastante comum e que aborda um tema do conhecimento de todos: o teorema de Pitágoras (Hã? Quem? Como?). Sim, Pitágoras, aquele barbudinho simpático que descobriu que o quadrado da hipotenusa de um triângulo retângulo é sempre igual à soma dos quadrados dos seus catetos. Como "bônus" nessa questão você também avalia se seu aluno:
- sabe manipular uma régua;
- sabe o que é um retângulo e quais são suas propriedades;
- sabe traçar um retângulo usando apenas régua e lápis;
- sabe o que são retas paralelas;
- sabe o que são diagonais de um retângulo;
- tem a noção de área e consegue comparar áreas de figuras diferentes de forma visual;
- sabe fazer medidas usando a régua;
- sabe utilizar corretamente o teorema de Pitágoras em um problema prático;
- sabe resolver expressões aritméticas envolvendo potências e raízes;
- sabe interpretar enunciados matemáticos;
- sabe formular explicações com base em resultados observados.
Como podemos criar um problema individual para cada aluno sobre esse tema onde a "cola" seja muito bem vinda, caso alguém consiga colar?
Questão exemplo:
Usando lápis e régua
a) desenhe no espaço abaixo um retângulo de qualquer tamanho aproveitando bem o espaço fornecido;
b) divida seu retângulo em três outros retângulos diferentes, de qualquer medida cada um;
c) trace as diagonais no retângulo de maior área que você desenhou;
d) usando a régua, meça o comprimento dos lados menor e maior do retângulo onde você desenhou as diagonais;
e) usando a régua, meça o comprimento de uma dessas diagonais;
f) usando o teorema de Pitágoras, calcule o comprimento dessa mesma diagonal;
g) compare os valores obtidos nos itens "e" e "f" e explique o que observou (São iguais? São próximos? São muito diferentes? Por quê?)
Ok, agora vamos analisar melhor essa questão.
Em primeiro lugar note que ela não pode ser feita pelo Google, pois o Google não sabe usar régua. Uáu!!! (Na verdade, se você souber o que o Google "não sabe fazer" você já terá a resposta para a questão "o que o meu aluno não é capaz de encontrar no Google!!!)
Em segundo lugar, se a questão é proposta para ser feita individualmente, a chance de dois alunos conseguirem fazer retângulos e subdivisões exatamente iguais é probabilisticamente desprezível.
Em terceiro lugar, se um aluno "olhar o que o outro está fazendo" para tentar fazer igual, além de não conseguir fazer desenhos exatamente iguais, ele também incorrerá em prováveis erros de medida (o que permite concluir que ele não sabe usar régua para desenhar retângulos ou subdividi-los). De fato, é pouquíssimo provável que os alunos queiram "copiar" retângulos dos colegas, pois isso eles provavelmente sabem faze e têm segurança para fazê-lo. Assim, mesmo que o "jeitão" dos retângulos seja copiado, as medidas provavelmente serão diferentes.
Em quarto lugar, se ao final o aluno "copiar" a fórmula de Pitágoras da internet, de um colega ou de sua própria memória (ou da própria prova - se o professor decidir fornecer a fórmula), de que isso importará? O objetivo é utilizá-la para resolver um problema e não o de recitá-la. Se o objetivo for fazer o aluno decorá-la, dê-lhe 50 exercícios de aplicação direta da fórmula e ele nunca mais a esquecerá na vida.
Questões como essa podem ser criadas para qualquer disciplina, desde que se tenha como pressuposto que o aluno será desafiado a "criar uma solução onde ele terá participação ativa como autor, tomando decisões - como onde cortar seu retângulo, por exemplo - e não apenas reproduzindo conhecimentos decorados ou copiados de outras fontes além da memória.
Também fica claro que para esse tipo de questão a "cola" é uma vantagem, pois permite ao aluno "pesquisar, coletar informações úteis, obter modelos semelhantes, adquirir confiança de que chegará a um resultado e, acima de tudo, aprender coisas novas (que ele ainda não sabe) em situação de prova".
Agora, aceita um desafio? Que tal criar uma questão você mesmo? Se quiser pode postá-la aqui, no espaço de comentários.
(*) "cola", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/dlpo/cola [consultado em 12-09-2016].
(**) Fonte da imagem "Cola na escola": http://noticias.r7.com/esquisitices/fotos/quem-nao-cola-nao-sai-da-escola-a-turma-de-esquisitices-tem-varios-trapaceiros-13112012#!/foto/1
(***) Fonte da imagem "Pitágoras": https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcQMU3TAhL792rL6rOkGzr1AQjLccBsYnEHO4sZSHdH33u49wI4xpA