sábado, 12 de novembro de 2005

Mais artigos novos

Olá pessoal,

A nova edição do jornal ZOOM traz dois novos artigos meus e uma entrevista que fiz com a educadora Sônia Bertochi. Para quem quiser conferir:


Vamos pegar uma onda?
(Aborda de forma leve e abrangente esse fenômeno extremamente importante da natureza e muito pouco conhecido - pelo menos na escola).

http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?materia=293

O difícil recomeço
(Tratando mais uma vez da dificuldade dos professores aderirem ao uso dos computadores na escola).

http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?materia=294

Entrevista com Sônia Bertocchi
(Educadora, atualmente trabalhando com as TICs - Tecnologias de Informação e Comunicação).

http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?materia=292

No final de cada artigo é possível avaliá-lo atribuindo-lhe "estrelinhas". Fiquem à vontade.

Abraços,
Prof. JC

quinta-feira, 2 de junho de 2005

Novos artigos publicados

Pessoas,

Tem dois novos artigos meus recém publicados na revista ZOOM:

"Olhe ao seu redor, há ciência por todos os lados" -
http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?materia=264

"Letramento, inclusão digital e novas práticas pedagógicas" -
http://www.ciadaescola.com.br/zoom/materia.asp?materia=265

Quem quiser dar uma olhada pode aproveitar e fazer sua avaliação deles no final dos artigos (usando as "estrelinhas"). Também agradeço aos comentário feitos aqui no blog.

Fui...

sábado, 28 de maio de 2005

A síndrome da cleptomania avaliacional - V - final

Image hosted by TinyPic.com

Com esse post espero encerrar a série sobre a “cola”. Encerro a série, mas tenho certeza de que nem de longe encerro o assunto.

A última razão que apontei para a “cola” diz respeito à conivência com que ela é tratada. Assim, vamos ao quinto item:

5 - O professor é conivente com a cola ou despreparado para inibi-la.

O que é ser “conivente”? Ser conivente é compactuar com algo de que, por princípio, discordamos; é fazer vistas grossas a algo que julgamos ser errado, mas que decidimos tolerar por uma razão qualquer que nos pareça bastante boa.

O professor é conivente com a cola quando a permite, quando a facilita ou mesmo quando não a impede ou não a dificulta, mas, principalmente, ele é conivente quando não toma nenhuma medida que vise erradicá-la.

A ameaça de punições, ou mesmo as punições previstas nos regimentos escolares, já se mostraram suficientemente ineficazes para impedir ou mesmo desestimular a cola. Como vimos no post anterior, as punições para os alunos que colam não atingem todos os “colantes”, não causam desestímulo suficiente e, na maioria das vezes, são antipedagógicas, pois nada ensinam.

Métodos operacionais, tais como: misturar alunos de diferentes séries em uma mesma sala nos dias de prova, fazer várias provas para uma única classe, vigiar incessantemente os alunos, ou qualquer combinação desses métodos, podem ajudar a desestimular a cola, mas não a impedirão e nem contribuirão para que ela seja erradicada como “método de obter nota”.

Talvez seja por essas tantas razões que muitos professores tornaram-se coniventes com a cola e simplesmente passaram a ignorá-la, mas não é só por isso. Muitos professores também colaram quando estavam na escola e, portanto, eles mesmos não vêem na cola nada mais do que uma “esperteza” do aluno. Há mesmo quem acredite que “TODOS” colaram algum dia em alguma prova.

Daí segue-se, creio eu, a conclusão natural de que muitos professores estão despreparados para lidar com a situação de “cola”, pois colaram na escola, tornaram-se professores apesar disso e, atualmente, já não dispõem nem mesmo dos métodos toscos de coação de que seus antigos mestres dispunham. Nada mais natural que diante desse quadro se faça vistas grossas à “cola”, não é?

Não, não é, ou, pelo menos, não deveria ser assim.

Se racionalmente concordamos que o aluno que cola o faz por uma série de boas razões e, além disso, concordamos também que seria melhor que ele não colasse, por mais justas que sejam as razões pelas quais ele cola, então não podemos fazer vistas grossas e nem nos conformarmos que “é assim mesmo e no final das contas todo mundo cola”.

Se o aluno cola para obter nota porque damos a essa nota um status artificial de “qualidade” para o aluno, então talvez devêssemos retirar da nota esse poder de transformação que faz com que bons meninos tenham que roubar nota para manterem sua dignidade de pessoas. Podemos fazer isso se deixarmos de usar a “nota” do aluno como elemento de chantagem, como discriminante entre os próprios alunos, como fator de reprovação ou simplesmente como uma medida da “qualidade da pessoa”. Se a nota não tiver valor, quem vai querer roubá-la? Alguém rouba folhas de grama dos jardins ao invés das flores?

Se o aluno se sente inseguro sobre o que aprendeu e procura colar porque com isso ele terá o respaldo de outro, seja de um colega, seja do livro, seja do seu próprio caderno ditado pelo professor, então talvez possamos avaliá-lo de uma forma em que suas respostas não sejam comparadas a um “padrão” inflexível, mas sim que sejam valorizadas por aquilo que têm de certas e, da mesma forma, que seus erros sejam reparados no próprio processo de avaliação como forma de reforçar a aprendizagem e não como forma de punir o aluno.

Se o aluno cola porque isso lhe parece ser a coisa mais natural a fazer, então precisamos esquecer um pouco o conteúdo específico de nossa disciplina para refletirmos com ele sobre o que é certo e o que é errado, temos que falar de ética sim, porque não? Nossos alunos precisam saber que o certo não é tudo aquilo que pode ser feito sem que se seja punido, precisam saber que a cola não é um “pecado contra a santa madre escola”, mas sim um pecado contra sua própria formação como cidadão.

Se o aluno cola porque dificilmente será punido, ou será punido de forma tão ineficaz que colar ainda lhe parecerá ser vantajoso, então não adianta querermos puni-lo com as leis de Talião, mas talvez possamos convencê-lo de que ele será muito menos punido e muito mais premiado se não colar. Não adianta punirmos os alunos que colam se não sabemos premiar aqueles que não colam.

Por fim, se estamos despreparados para lidar com a “cola” e se não conseguimos dar conta das quatro demandas acima, então isso também não significa que devamos lavar as mãos e fazer de conta que estamos em outro mundo, um mundo perdido no caos onde nada mais dará certo, mas talvez devamos reconhecer que precisamos mudar nossas práticas, mudar nossa escola, mudar a nós mesmo e depois, somente depois, poderemos pretender mudar nossos alunos.

Bom, era isso que eu tinha para dizer sobre a cola.

Fui...

quinta-feira, 26 de maio de 2005

A síndrome da cleptomania avaliacional - IV

Image hosted by TinyPic.com

Voltando ao tema da “cola”, vamos tratar agora da quarta razão apontada para a cola dos alunos:

4 - A punição nunca é tão freqüente e suficientemente desencorajadora em comparação com os "benefícios" da cola, isto é, a relação custo-benefício indica que "colar compensa".

Primeiramente vamos recordar que só são punidos os alunos que são efetivamente pegos colando e estes representam um número muito pequeno quando comparado ao número total de alunos que admitem colar. Aliás, é curioso como uma quantia razoável de alunos “admite”, com uma naturalidade incrível, que cola nas provas. Alunos que não são flagrados colando raramente são culpabilizados, pois é relativamente difícil provar que um aluno colou com base apenas na sua resposta escrita.

Assim, para que um aluno que cola possa ser punido, ele precisa primeiro ter sido pego em flagrante. Cenas em que se vê o professor tenso andando incansavelmente pela sala, olhando desconfiado para todos os cantos e despindo seus alunos com os olhos em busca de papeizinhos escondidos embaixo das carteiras, no estojo ou nas palmas das mãos, são cenas que todos já vimos e que talvez já tenhamos encenado também.

Vigiar uma sala de trinta, quarenta alunos, no mínimo, tratando a todos como potenciais criminosos prestes a cometerem um delito, não me parece ser muito apropriadamente uma tarefa pedagógica. Talvez se pareça muito mais com a tarefa dos seguranças de grandes lojas e hipermercados, que se esforçam para que ninguém esconda sobre a roupa alguma bugiganga qualquer. Mas essa é a função do professor no “dia da prova”, dia em que ele sabe que “não dará aula”, dia algumas vezes visto como “a oportunidade de vingança”.

Em tempos idos, e graças damos por não voltarem mais, era comum professores “revistarem” alunos suspeitos, revirarem seus estojos, bolsos e bolsas. Alunos eram obrigados a dobrarem as mangas, mostrarem as palmas das mãos e os assentos das suas cadeiras. Quem não se lembra disso que dê graças.

Nesses tempos, e em muitos casos ainda hoje, quando um aluno era pego colando ou tentando colar, tinha sua prova anulada e ficava com nota zero. Pouco importava se havia colado a prova toda, uma resposta apenas ou mesmo que nem houvesse colado coisa alguma. A punição era imputada ao seu comportamento antiético, discutido no texto anterior sobre esse tema, e em nome dessa ética se abolia a “avaliação” propriamente dita, substituindo-a por uma medida punitiva que, na prática, significava o mesmo que reduzir o conhecimento do aluno a nada. Alunos pegos colando sempre foram igualados aos alunos que nada sabiam, à escória "incapaz de acompanhar as aulas” e “imprópria para a escolarização”.

O aluno “colador”, quando era pego, era exposto e execrado em praça pedagógica pública. Primeiro era exposto ao ridículo diante dos colegas da classe, depois ia para a diretoria, onde ouvia absurdos sobre o ato inominável e abominável que houvera cometido contra o sacrossanto sistema de avaliação escolar e, por último, era entregue aos pais, carrascos finais que, humilhados pelo comportamento dos filhos, encarregavam-se das punições domésticas. Alguns pais e educadores acreditavam que esse era um sistema muito eficaz e desencorajador. Mas não era. Esse sistema apenas permitiu que se produzisse na escola “especialistas em cola”, que se desenvolvessem métodos brilhantes de ocultação de provas e, finalmente, que a “esperteza de quem não é pego” fosse valorizada a tal ponto que alunos que colavam e não eram pegos tornavam-se “alunos brilhantes”.

Hoje em dia muita coisa mudou. Já não se pode mais “revistar alunos” impunemente, revirar suas coisas, humilhá-lo diante da classe e nem mesmo puni-lo com “nota zero”. E, embora muitos professores e diretores imaginem que isso é ruim, a verdade é que isso é muito bom. O aluno que cola não é um delinqüente, a cola não é um crime abominável e a prova, essa que passa quase desapercebida nessa história, não é realmente um bom instrumento de avaliação do aprendizado.

A história já nos ensinou que as punições aplicadas para inibir a cola, mesmo quando eram absurdamente desproporcionais, inumanas, e mesmo criminosas, não surtem o efeito desejado. Já sabemos que não é possível punir sempre, não podemos punir todos e nem podemos punir de qualquer maneira e na proporção de nossas vontades. Mas se punir não resolve, então o que podemos fazer? Será que só nos resta sentar e chorar?

Talvez haja outra saída e se possa encontrá-la procurando melhor e em lugares mais acertados. Podemos começar essa busca refletindo sobre os textos anteriores dessa série, onde já discutimos algumas das razões dos alunos colarem, mas também podemos nos perguntar se os alunos colariam com tanto afinco e sujeitos a tantos riscos se não almejassem um prêmio tão valioso: a nota que os representa como “pessoas classificadas por competência”.

Se pudermos resumir todo o aprendizado do aluno em uma única nota, obtida em uma única prova, talvez duas, e se essa nota representar oficialmente esse nosso aluno diante da comunidade, então talvez o aluno veja grandes razões para se preocupar em “conseguir uma boa nota”, ou seja, ele terá bons motivos para colar. Mas será que esse aluno colaria se suas avaliações fossem diferentes?

Se um aluno for avaliado todos os dias, por todos os seus atos, todos os seus trabalhos e atividades, por sua participação, colaboração, empenho, enfim, por tudo aquilo que ele realmente é ao longo de um determinado período, geralmente um bimestre, será que ele colará? Colará seu empenho, sua participação, suas atividades, seus trabalhos? Colará quando estiver trabalhando em grupo? Colará quando não houver uma “nota” para avaliá-lo?

Enquanto o aluno for avaliado por uma nota e essa nota for produto de uma avaliação parcial, incompleta, estressante e baseada em sua capacidade de reproduzir (colar!) um determinado conhecimento que não é dele, certamente a relação custo-benefício da cola será francamente favorável a esta última. Em um sistema de ensino onde os alunos são avaliados por provas apenas, e essas provas nada mais são do que um conjunto de perguntas ou problemas cujas respostas e soluções já estão “prontas”, colar é benéfico ao aluno; não porque isso seja uma atitude correta que ele deva ter, mas porque ela é menos incorreta do que simplesmente sujeitar-se a ser classificado espuriamente por um instrumento ruim: a prova.

Fica então uma última pergunta para nossa reflexão: colar é um verbo transitivo ou intransitivo?

Fui...

segunda-feira, 23 de maio de 2005

Educação e mercado - problema ou solução?

Uma pequena pausa na série sobre a "cola" para postar uma pequena provocação...


Com o sucateamento da escola pública nas últimas três décadas, o número de escolas privadas aumentou vertiginosamente, tanto no ensino fundamental e médio quanto no ensino superior; tendo este último apresentado um crescimento de 50% na década de 90, segundo o INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira).

Enquanto a escola pública de níveis fundamental e médio restou aos pobres, a classe média migrou em massa para a rede privada nesse segmento de ensino. Somente no ensino superior é que o panorama é um pouco diferente, já que as universidades particulares abrigam na sua maioria a classe média baixa e o operariado, e as universidades públicas continuam sendo eminentemente elitistas.

Esse movimento de migração para as particulares criou um novo paradigma no ensino: a "escola-produto". Essa nova escola, consumível e descartável, como qualquer mercadoria de shopping center, tanto incorporou em si alguns elementos de gestão típicos da empresa privada, e escassos nos segmentos públicos, como a exigência de um "padrão de qualidade de atendimento voltado à satisfação do cliente", quanto alguns elementos estranhos à pedagogia das escolas de outrora, como a figura do "professor-produto".

Entendemos aqui o termo "professor-produto" como aquele que deve satisfazer às exigências de sua clientela - os alunos - como pressuposto mais importante para o exercício de sua função do que os pressupostos de competência pedagógica e domínio de sua área. Assim, tanto se viu surgirem professores show-men, que cantam fórmulas e tocam violão em aulas de matemática, quanto insurgirem outros que não conseguem ver no aluno apenas um "cliente" a ser satisfeito e nem na escola um balcão de ofertas pedagógicas.

Professores que antes eram avaliados por sua formação acadêmica e pelo domínio em sua área de conhecimento, agora se viram repentinamente avaliados por "ibopes" levantados diretamente com os alunos. Ibope baixo é demissão certa. Alunos que antes "aprendiam" passivamente e eram obrigados a se adaptarem aos seus professores viram-se, de repente, no controle da situação e, armados de frases como "sou eu quem pago seu salário", passaram a ditar novas normas de relacionamento e até mesmo avaliarem a "didática" de seus professores ou a qualidade do conteúdo que aprendem na escola.

Para alguns essa situação representa uma inversão de valores, onde o processo de ensino-aprendizagem perdeu seu rumo e a escola passou a ser apenas mais uma lojinha de shopping onde se compra algum tipo de satisfação imediata. Para outros a escola se "profissionalizou" e incorporou novas práticas de gestão democrática. Para quem vê o Brasil "de fora", no entanto, continuamos apenas sendo o rodapé de todas as avaliações internacionais que medem a qualidade do ensino.

sábado, 21 de maio de 2005

A síndrome da cleptomania avaliacional - III

Image hosted by TinyPic.com

Depois de algum tempo sem comparecer nesse blog, consegui finalmente um tempinho para dar continuidade à série sobre a cola. Nesse post eu comento a terceira razão pela qual, a meu ver, os alunos colam:

3 - O aluno acredita que colar é "normal" e parte do procedimento de ensino-aprendizagem, uma parte "extra-oficial", mas que já está incorporada à prática escolar por todos.

É claro que para falar em “normalidade da cola” precisamos falar em “ética”.

O termo “cola”, além da acepção natural: [Do gr. kólla, 'goma'.] S. f. 1. Substância ou preparado glutinoso para fazer aderir papel, madeira e outros materiais; goma - tem também uma segunda acepção, “brasileira e educacional” - 2. Bras. Cópia feita clandestinamente nos exames escritos; fila.

Colar é isso mesmo: copiar de forma clandestina, isto é, não autorizada, em exames (não apenas escritos); é também sinônimo de “furto”, “trapaça”, “desonestidade”.

Reparem bem que “copiar de forma clandestina” é cola, é feio e deve ser punido, mas nem toda cópia é clandestina, não é? Quantas e quantas vezes professores obrigam seus alunos a colarem respostas do livro no espaço destinado a elas nos seus cadernos? Quantas e quantas vezes um pequeno descuido nessa cópia é chamado de “erro”, pois está “diferente do livro”? Quantos questionários com respostas padronizadas já não foram “decorados” para as provas?

Quem cola quer copiar, não quer produzir, não quer criar, não quer interpretar, não quer opinar, não quer participar com seu conhecimento próprio... Mas, diabos! Não é exatamente isso, produzir, criar, interpretar, opinar, participar, etc., que um número gigantesco de alunos aprendem que não devem fazer na escola?

Quando se enfatiza nas escolas que o que importa no processo de ensino-aprendizagem é a posse de um suposto “conhecimento correto”, em detrimento de outros alternativos, incompletos, brutos e mesmo absurdos, e quando se atribui valor apenas à capacidade do aluno de fornecer as respostas “esperadas”, se está justamente aniquilando sua capacidade criativa, sua iniciativa como ator do processo de ensino-aprendizagem e sua capacidade de articular seus conhecimentos.

O aluno que conseguiu decorar as vinte perguntas e respostas do questionário que o professor preparou para a prova, e que consegue reproduzir dez dessas respostas na prova, ficará com nota dez e será considerado “brilhante”. O outro, que colou as dez respostas do primeiro, também tirará dez e será considerado brilhante. Um terceiro, que tenha decorado apenas cinco respostas, será considerado apenas “regular” e, finalmente, um quarto aluno que tenha decorado apenas duas respostas será considerado “medíocre”. Mas a grande verdade é que um mês depois, ou quem sabe um ano ou uma década, todos os quatro terão esquecido as respostas, tenham elas sido decoradas ou não. A quem faltou ética? Ao aluno que decorou as respostas, mas que será incapaz de lembrar delas alguns dias depois, e que talvez nem saiba o que elas significam? A quem se lembrou apenas de parte das respostas? Ou seria a quem decidiu que, sendo inútil decorar as respostas, melhor seria arrumá-las de qualquer maneira e despender seu precioso tempo fazendo coisas mais agradáveis do que decorar respostas inúteis?

Arrisco-me a dizer que, se faltou ética, faltou ética ao professor que deu como única opção ao aluno “colar” as respostas, quer tenha sido uma “cola de memória”, quer tenha sido uma “cola do colega” ou, ainda, uma “cola do papel-lembrete”. Mas o mais curioso é que para nenhum desses citados acima terá faltado ética segundo a “ética escolar”, pois somente o aluno que é “pego colando” é que leva a pecha de “desonesto”. Alunos que colam e não são pegos são tratados como “bons alunos”, pois nessa ótica míope, onde apenas as notas dos alunos os classificam como “bons” ou “ruins”, o aluno que cola e não é pego tem os mesmo predicados do outro capaz de decorar tudo: ele tem nota! E não é raro se ouvir dizer que o aluno que “sabe colar” é “esperto” e que o que é pego colando “é tão burro que nem sabe colar”. E se for esse tipo de ética que a escola quer ensinar e valorizar, então não seria melhor fechar as escolas?

A meu ver é mais do que natural que a ética dos alunos que colam seja a mesma ética de muitos professores: uma ética imediatista e pragmática, baseada em resultados mensuráveis, inumana e indiferente aos métodos empregados no processo de ensino-aprendizagem. Então, chamar os alunos que colam de “desonestos” não passa de pura hipocrisia, pois o próprio sistema os ensina a colar o tempo todo e os reprime sempre que não conseguem colar corretamente ou que se arriscam a dar "respostas próprias".

Colar, para o aluno, não é antiético, pois não é nada além do que executar um procedimento de rotina do seu processo de ensino-aprendizagem, algo que lhe foi sendo ensinado anos a fio, para se assegurar de que sua resposta não seja dele mesmo, mas sim de alguém cuja autoridade se apresenta como validadora dessa resposta: o professor, o livro, ou ambos.

Porque tantos alunos sempre perguntam se as respostas devem ser dadas "à lápis ou à caneta", ou então se devem ser escritas "com as próprias palavras"? Quem nunca ouviu essas perguntas? Seriam perguntas realmente tolas, ou teriam por trás delas um processo de aniquilação da criatividade e da individualidade do aluno em troca de "respostas corretas"?

Mas o que dizer do aluno que não estudou nada e copiou tudo do colega ao lado, mesmo que o colega ao lado também não saiba as "respostas corretas"? Não seria esse aluno um "folgado" a agir de forma desonesta?

Talvez sim, talvez não. A pratica mostra que quase ninguém cola de outro colega se não achar que esse outro colega sabe mais que ele, ou seja, se não vir no colega uma forma de “validar” as respostas. Isso parece lógico do ponto de vista da lógica míope de resultados em forma de notas. Quem tem boas notas é “bom”, logo, é uma fonte confiável para se colar. Mas a prática também mostra que muitos colam de colegas tão “ruins de nota” quanto eles mesmos. Porque será? Desonestidade? Burrice? Ou seria... Hábito!

Reproduzir repostas alheias é tão comum na escola que até mesmo a reprodução de uma resposta profundamente “suspeita”, vinda de um aluno sabidamente “ruim de nota”, torna-se melhor do que arriscar uma resposta própria do aluno quando este já se convenceu de que suas respostas não têm valor se não forem respaldadas em “alguma coisa fora de sua mente”. A insegurança que se aprende na escola, a ética de resultados em forma de notas e a falta de estímulo ao protagonismo são profundamente visíveis nesse comportamento aparentemente “ilógico” de se abrir mão de uma resposta própria para se copiar outra que, sabidamente, estará errada.

Em uma avaliação onde os alunos são informados antecipadamente que podem consultar qualquer material (embora nenhum deles contenha "respostas prontas"), menos os colegas (isto é, não devem colar), e onde suas notas não terão qualquer valor, ou seja, onde podem errar a vontade sem serem punidos por isso e onde não serão premiados pelos acertos, ainda assim se verifica que alguns alunos “colam” dos colegas! Porque colam então? Desonestidade? Vê-se que o “buraco” é bem mais abaixo, não é?

Bom, por hoje chega. Fui...

domingo, 10 de abril de 2005

A síndrome da cleptomania avaliacional - II

Image hosted by TinyPic.com

No post anterior eu abordei a primeira das cinco principais razões que enumerei para tentar justificar porque os alunos colam tanto. Nesse post vou retomar o assunto à partir da segunda razão enumerada.

2 - O aluno se sente inseguro quanto à sua aprendizagem e quer alguma "garantia" de que seu possível mau desempenho não lhe causará maiores constrangimentos.

Os constrangimentos aos quais me refiro são aqueles expostos no post anterior e mais alguns, tais como a humilhação diante dos colegas, a necessidade de fazer outra prova ou uma recuperação, a bronca que recebera dos pais e por vezes o sarcasmo do professor. Enfim, tirar uma nota ruim não é o que deseja a maioria dos alunos, ainda que hoje em dia tenha aumentado significativamente a tendência entre os próprios alunos a desmoralizarem suas notas e a supervalorizarem um desempenho entre ruim e regular; fato esse compreensível, já que a maioria dos alunos se situa nessa faixa de desempenho quando avaliados por métodos de duas décadas atrás.

Assim, vemos também aqui que a insegurança do aluno baseia-se em grande medida no julgamento de valor que ele pressente que sofrerá como conseqüência do resultado que obterá nas provas, mas, além disso, concorrem também para essa insegurança outros elementos importantes, como a falta de parâmetros necessários para que ele avalie seu próprio conhecimento antes da prova e a dificuldade de compreender e se expressar na língua pátria.

Nas últimas décadas as provas têm sido feitas, via de regra, para avaliar um certo “conhecimento” que o professor considera que o aluno deva ter adquirido, mas raramente o aluno é avisado sobre qual conhecimento é esse. Não é nada incomum ouvirmos dos alunos frases como: “o professor não cobrou na prova nada do que ele ensinou” ou, “o professor não falou que esse assunto ia cair na prova”. Curiosamente os alunos geralmente estão “certos” quando dizem isso, muito embora o professor possa sim ter cobrado apenas o que ensinou e combinou que cobraria e não tenha incluído na prova nada que extrapolasse os conteúdos ensinados. Mas como isso acontece então?

Muitos alunos atuais têm dificuldades de leitura e interpretação que tornam a própria compreensão das perguntas um extenuante exercício de adivinhação. Não é raro ouvir deles, durante a prova, frases como “o que é para fazer aqui, professor?”. Além da dificuldade de leitura há a dificuldade de escrita e essa dificuldade não se resume apenas a incorreções ortográficas ou gramaticais, mas sim à própria dificuldade de expressão de suas idéias. Por essa razão também se ouve freqüentemente perguntas como “assim está bom, professor?”, solicitando-se explicitamente que o professor sinalize ao aluno que sua escrita está compreensível na resposta que ele formulou.

Muitos professores consideram que essas perguntas feitas durante a prova são sinais de que o aluno “não estudou” e, por vezes, não se dão conta de que sejam quais forem suas disciplinas elas sempre requerem do aluno uma capacidade considerável de leitura e escrita, além dos “conhecimentos específicos” que estão sendo avaliados na prova.

Um aluno inseguro quanto ao seu conhecimento, com dificuldades de leitura e inseguro quanto à sua capacidade de “expor seu conhecimento” ao professor tenderá, naturalmente, a buscar alguma forma de compensar essa sua insegurança. A “cola”, nesse contexto de insegurança, seja ela feita na forma de anotações devidamente escondidas em algum lugar ou via cópia da resposta do vizinho, é uma maneira de garantir que haverá algum parâmetro de confiabilidade em sua resposta, uma forma de se sentir seguro e amparado. Respostas copiadas de algum resumo, ainda que não estejam corretas para o contexto da questão proposta, têm como fonte o próprio professor ou o livro didático, o que lhes confere alguma confiabilidade. Respostas copiadas do vizinho ao lado têm o peso do elemento psicológico da “companhia”, porque errar em dupla, em trio ou em grupos maiores, é sempre uma situação bem mais fácil de aceitar e assimilar, do ponto de vista do aluno, do que errar sozinho.

Um fato curioso e relevante sobre o qual deveríamos refletir é o de que muitas vezes os alunos colam uns dos outros mesmo que nenhum deles esteja seguro de que a resposta esteja correta. A cola, nesse caso, deixa bem evidente que os alunos estão procurando formar grupos de aceitação mútua onde possam “expiar suas culpas coletivamente” sem que tenham que arcar sozinhos com o ônus do resultado. Isso é facilmente verificável observando-se grupos de provas que trazem as mesmas afirmativas absurdas como respostas. Quando nos deparamos com uma situação dessas há dois caminhos a seguir: ou levamos as provas para a sala dos professores e fazemos piadas sobre os alunos durante o intervalo ou refletirmos melhor sobre as razões que podem levar um aluno a abrir mão de escrever sua própria resposta para copiar de outro aluno uma resposta que muitas vezes ele mesmo percebe ser absurda.

Se as avaliações que fazemos rotineiramente tivessem realmente o propósito de levantar problemas e apontar caminhos, sem que com isso os alunos fossem martirizados e penalizados por elas, talvez grande parte da insegurança que eles apresentam fosse eliminada, pois diante de uma situação em que o erro não é brutalmente penalizado fica bem mais fácil para o aluno conviver com sua própria situação de insegurança e possível erro. Temos exemplos claros disso nas turmas de cursos preparatórios para exames vestibulares, por exemplo, onde nos exames simulados os alunos costumam apresentar resultados melhores do que os apresentados mais tarde nos exames vestibulares “para valer”. Esses resultados melhores são, em boa medida, reflexos de um estado psicológico de relativo descompromisso diante dos resultados que serão obtidos e não resultados artificiais obtidos em “provas mais fáceis do que as oficiais”.

Resumindo, o aluno também “cola” porque isso dá a ele a segurança de que estará reproduzindo um texto “oficial” (“passado pelo próprio professor”) ou de que estará participando de um “grupo de pessoas que compartilharão os resultados” e não, necessariamente, porque ele não tenha nenhuma resposta própria.

No próximo post comento o terceiro motivo pelo qual os alunos colam. Por hora é só. Fui.

sábado, 2 de abril de 2005

A síndrome da cleptomania avaliacional - I

Image hosted by TinyPic.com

O título é imponente, mas o assunto é dos mais banais: a cola. :)

Porque os alunos colam? Porque só quem cola sai da escola? Porque colar é tão banal que até mesmo muitos professores admitem para seus alunos que "também colaram na escola"?

É claro que são questões complexas e que não vou dar nenhuma resposta definitiva para elas, mas como todo mundo se mete a discutir isso, até mesmo quem nunca pisou em uma sala de aula, então eu, que piso nelas há vinte e dois anos, também posso meter minha colher. Então vamos lá.

Dentre as muitas razões pelas quais os alunos colam, podemos destacar algumas principais:
1 - O aluno precisará da nota que "roubará" ou do status conferido pela nota quando ela for "boa".
2 - O aluno se sente inseguro quanto à sua aprendizagem e quer alguma "garantia" de que seu possível mau desempenho não lhe causará maiores constrangimentos.
3 - O aluno acredita que colar é "normal" e parte do procedimento de ensino-aprendizagem, uma parte "extra-oficial", mas que já está incorporada à prática escolar por todos.
4 - A punição nunca é tão freqüente e suficientemente desencorajadora em comparação com os "benefícios" da cola, isto é, a relação custo-benefício indica que "colar compensa".
5 - O professor é conivente com a cola ou despreparado para inibi-la.

Vamos nos ater mais detalhadamente em cada uma dessas razões?

1 - O aluno precisará da nota que "roubará" ou do status conferido pela nota quando ela for "boa".

Esse "estímulo" para a cola advém do fato de que a "nota" ainda é a forma mais tradicional de "avaliar" o aluno. Nas escolas fala-se do "aluno brilhante que só tira dez", do "aluno medíocre que pena para conseguir um cinco de média" ou do "aluno caso-perdido que não consegue tirar nota nem colando". Você já ouviu esses termos alguma vez? Eu já.

É claro que se um aluno é socialmente avaliado na comunidade escolar pelas notas que consegue, então nada mais justo que ele procure sempre conseguir as maiores notas. É muito melhor ser reconhecido por seus professores, pais e colegas como um "aluno brilhante", ainda que esse brilhantismo tenha ocorrido às custas da "esperteza", do que ser reconhecido como um "aluno medíocre" ou um "caso-perdido", mesmo que baseado na honestidade de suas notas. E, por falar em honestidade, que nota conferimos a ela nas provas e trabalhos? Se a honestidade é mesmo tão importante, e é, porque então não damos a ela nenhum valor numérico como fazemos para a correção dos erros gramaticais, erros de conta, de falta de unidades nas respostas, etc?

A avaliação "por notas" desconsidera que o "aluno medíocre" é um grande atleta, um bom poeta, um sujeito íntegro, um empreendedor, um líder ou mesmo apenas uma "pessoa comum como outra qualquer", como eu e você. O que um aluno com nota 9,75 tem de melhor do que um aluno com nota 4,75? Porque um é brilhante e o outro é medíocre? Porque um deles deve ser aprovado com louvor e o outro deve reprovar?

A avaliação por notas estabelece um critério subjetivo e falso de julgamento onde a pessoa fica reduzida a um número (ou a um "conceito", como "A", "B", etc.) e, como vemos, esse número nada significa quando se cola, pois nesse caso ele não reflete coisa alguma. Mas se muitos colam o tempo todo, então esse número nada significa em tempo algum, não é? Talvez a cola seja então uma espécie de "vingança do aluno", vingança pela qual ele pode desacreditar uma idéia que há muito já está desacreditada mas que teima em sobreviver na cabeça de muitos professores e pais: a idéia de que a nota é alguma espécie de "medida válida para julgar as pessoas".

Do ponte de vista ético e moral qual seria o crime em se roubar "nota" quando essa nota assume o papel anti-ético e imoral de medir as pessoas, de reduzi-las a "resultados", de anulá-las em suas individualidades e transformá-las em "alunos-notas"? Como podemos criticar um aluno que rouba sua nota se roubamos dele sua plenitude humana e a transformamos em "números"? Não seria esse roubo de nota apenas uma forma igualmente desonesta de tentar recuperar a dignidade previamente roubada, subjetivada e condicionada a variáveis geralmente pouco humanas, como a capacidade de reproduzir uma informação, a presteza na entrega de trabalhos ou a simpatia adquirida com o professor? Essas são, no mínimo, perguntas intrigantes, não são?

Sim, claro, alguém sempre dirá: "mas a nota não avalia o aluno e sim seu desempenho escolar". Eu também concordo que deveria ser assim, mas a história já mostrou que as pessoas julgam umas as outras também pelo seu desempenho escolar! Einstein foi um aluno medíocre, coitado. Isaac Newton também, pobrezinho. Eles foram julgados como medíocres por muitos de seus pares antes de serem reconhecidos como geniais, assim como hoje julgamos os nossos alunos, filhos ou conhecidos independentemente do que o futuro reservará para eles. A questão real não se resume apenas ao "propósito da avaliação", mas sim à sua forma e ao uso que se fará dela.

Avaliamos, bem ou mal, para medir o desempenho escolar, mas será que podemos julgar, classificar, estabelecer preconceitos, perseguir ou ignorar nossos alunos pelo desempenho que eles apresentam? Se realmente avaliamos para medir o desempenho escolar, então porque não usamos os resultados dessas avaliações apenas para melhorarmos esse desempenho ao invés de "punirmos com a reprovação, a humilhação e a indignidade" àqueles que concluímos ter um mau desempenho?

Nós professores detestamos quando nos dizem que um aluno medíocre tem por trás de si professores igualmente medíocres. Nesse momento nos passa pela cabeça que não somos os únicos culpados, que há infinitos outros fatores atuando nesse processo de "desaprendizagem" que não podem ser quantificados, que não podem ser medidos e, principalmente, não podem ser associados a nós. Mas porque então desconsideramos esses fatores quando fazemos as avaliações e depois rotulamos os alunos apenas pelos resultados que "medimos" e associamos diretamente a "eles"? Porque muitas vezes acreditamos que estamos medindo o desempenho apenas do aluno e não o desempenho de nossa relação de ensino-aprendizagem com ele? Se nós mesmos odiamos sermos avaliados por números que sabemos pouco significarem sobre nossa pessoa, então não deveríamos também desvincular esses números das pessoas dos alunos e pensar neles como "números que avaliam nossa relação de ensino-aprendizagem"?

Quando, ao final de um bimestre escolar, escrevemos na caderneta que "Juquinha ficou com média dois", não deveríamos escrever que "de zero a dez, nossa tentativa de ajudar Juquinha a aprender ficou com média 2"? Afinal, nós estávamos lá, não estávamos? Éramos nós que estávamos tentando ajudar o Juquinha, não é?

Então pensemos nisso: será que quando ficar suficientemente claro para todos, e principalmente para alunos e professores, que aquelas notas vermelhas que enrubescem e envergonham nossas cadernetas não são notas somente dos alunos, mas sim de todos os que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem deles, inclusive eles próprios, nós mesmos, seus pais e até mesmo o presidente da república, haverá ainda alguma razão para que os alunos roubem notas? Será que eles roubariam notas para ajudar a melhorar a nossa imagem de professores? Roubariam notas para aumentar o status da política educacional do Governo Federal? Roubariam notas para que a Secretaria de Educação fosse reconhecida como "brilhante"?

Como isso é um blog vou parando por aqui e continuo depois com os outros itens.

Fui...

terça-feira, 29 de março de 2005

A inclusão da indisciplina ou a disciplina da exclusão?

Há vinte anos atrás era anormal um aluno que teimasse em continuar falando mesmo depois de o professor já ter lhe chamado à atenção umas três vezes seguidas. Inevitavelmente o aluno seria punido, o pai seria comunicado do fato e, conforme o caso e o humor do professor, haveria certamente alguma represália em sua “nota”.

Os alunos mudaram, mas a escola secular resiste às mudanças. Alunos indisciplinados consistem hoje em dia na “média” dos alunos considerados “normais”. O fenômeno é complexo e envolve muito mais do que a mera “quebra de regras de convivência”. Mas eu gostaria mesmo é de tratar nessa reflexão de outro tipo de aluno: o aluno absolutamente indisciplinado ou, usando termos de duas décadas passadas, “o aluno que não presta para aprender”.

Há alunos que simplesmente ignoram a presença do professor na sala de aula e que, não raras vezes, “se incomodam com as constantes interpelações do professor, interpelações essas que acabam por lhes atrapalharem as conversas com os colegas”. Isso pode parecer bizarro aos olhos de alguém que não convivia com esse tipo de aluno há vinte anos atrás, mas mais bizarro ainda é tentar aplicar a esses alunos o mesmo sistema de recompensas e punições que era aplicado naqueles idos tempos que não voltarão jamais (ainda bem!) na esperança de que agora, como foi antes, “os alunos se renderão às virtudes do sistema e se regenerarão”.

Para certos alunos o professor é que hoje em dia se tornou um “incômodo”, um chato que atrapalha sua conversa e parece não compreender que ele, o aluno, tem coisas mais importantes para tratar com seus colegas do que com o professor. Esse aluno absolutamente indisciplinado é o candidato natural para a origem de uma úlcera em um professor que não compreende que ele mesmo, o aluno, a escola e a sociedade vivem hoje uma realidade bem diferente da que viveu o professor há vinte anos atrás.

Esse “aluno problemático” pode ser punido seguidas vezes, pode ser advertido e suspenso até os máximos limites legais permitidos e tolerados e, pode ainda, tranqüilamente, ver “sua nota avermelhar-se como em um passe de mágica”, e tudo isso sem nem ao menos mostrar a menor das preocupações. Esse aluno dificilmente se intimidará com ameaças e punições. Na verdade ele dificilmente compreenderá porque está sendo punido se na verdade “o chato” é o professor e não ele, se o problema está na escola e não nele e, finalmente, se tudo o que ele quer é que parem de lhe atormentar lhe obrigando a “estudar” só porque ele está em um lugar chamado escola.

É claro que nem todos os alunos podem ser enquadrados na descrição acima, mas pelo menos “um por sala” é comum haver. Às vezes dois, três...

O que pensa esse aluno?

1 - que a escola nada tem a lhe oferecer além da possibilidade de se relacionar com outras pessoas de sua comunidade;

2 - que ele nada tem a oferecer à escola;

3 - que assim como ele se vê “ausente” da realidade escolar, a escola também deveria vê-lo como um “ausente” dentre seus objetivos educacionais.

Resumindo, para esse aluno a escola é tão inútil quanto ele, o aluno, pensa ser inútil à escola e à comunidade. A escola o incomoda tanto quanto ele incomoda à escola. A relação entre ele e a escola é meramente circunstancial e não uma relação de “inclusão”. Ele não se sente como “parte de alguma coisa”.

Por fim, chegamos ao ponto: esse aluno é um dos muitos “excluídos” que se esgueiram nas sombras do sistema educacional à espera do dia em que lhe darão um certificado de conclusão e o impedirão de freqüentar as aulas do próximo ano. Quando isso ocorrer ele passará a freqüentar o portão da escola nos horários de entrada e saída, virá nas festas e eventos, vez por outra “visitará” seus antigos professores e reconhecerá o quanto lhes atormentou na vida. Sim, ele não será, necessariamente, uma “má pessoa”, ainda que tenha sido o pior dos alunos.

A “escola inclusiva” que se vê em muitos locais permite a esse aluno de perfil duvidoso e pouco ortodoxo a “presença física nas dependências físicas da escola", mas ela realmente não o integra no processo de ensino. Esse aluno, a rigor, não é indisciplinado, não é um “aluno-problema”, mas sim algo que se sussurra baixinho nas reuniões de professores como: “um caso de inclusão”. O que é o mesmo que dizer: “não ligue não, ele é um excluído que temos que tolerar por força da lei”.

A esse aluno, a quem a escola se sente incapaz de atender (e mesmo compreender), resta apenas esperar que o sistema de progressão continuada e outros dispositivos legais o expulsem depois de cumpridos alguns anos de uma forma mais digna do que a forma como isso teria sido feito há vinte anos atrás, quando lhe diriam claramente que ele deveria ir embora porque “não prestava para estudar”. Hoje as palavras mudaram, a escola tornou-se um pouco mais civilizada e politicamente correta, mas o conceito de “aluno imprestável” ainda resiste nas práticas pedagógicas não declaradas publicamente.

O que é possível fazer para incluir na escola, “de fato”, e não apenas legalmente, um aluno como esse?

1 - ele não sabe ler e nem escrever para poder ser considerado alfabetizado; mal assina seu nome;

2 - não sabe fazer contas, exceto adições e subtrações primárias com as quais convive em seu dia-a-dia de consumidor;

3 - desconhece regras sociais e códigos éticos e morais mais sofisticados dos que aqueles com os quais convive em seu dia-a-dia;

4 - não pretende continuar seus estudos (e nem pretende estudar durante seus estudos);

5 - acredita que tudo aquilo que a escola tem a lhe oferecer ser-lhe-á inútil para a vida;

6 - geralmente se encontra “defasado nos estudos” em relação aos seus colegas de mesma idade e, também por isso, se vê como “um aluno diferente” no ambiente escolar, um estranho no ninho;

7 - e, por fim, não tem nenhuma idéia muito clara de como será sua vida no futuro.

Por onde começar com esse aluno? Como superar sua resistência à escola? O que devemos lhe ensinar? Como devemos lhe ensinar?

É diante dessas questões que muitas vezes a escola decide mais facilmente que é melhor pouco ou nada fazer, enquanto se espera pacientemente que o “aluno problemático” chegue por inércia ao final da escolarização obrigatória, ou que desista antes por força dos incômodos que a escola lhe causará.

Ficam então algumas outras perguntas para refletirmos nos intervalos do cafezinho:

1 - se a escola não serve para ensinar um aluno como esse, que nada sabe e nada quer saber, então para que ela, a escola, servirá?

2 - uma escola que só é capaz de trabalhar com alunos interessados, dispostos e que pouco precisam aprender (talvez apenas os “conteúdos”) é realmente uma escola no sentido próprio do termo?

3 - se esses “casos de inclusão” são reconhecidamente “incômodos” na escola, então porque a escola não se incomoda também com o fato de não saber fazer muita coisa para mudar essa situação?

4 - se esses “casos de inclusão” continuarem a serem vistos apenas como exceções que devem ser toleradas por força de lei e não como alunos com necessidades especiais, então qual é o tipo de inclusão que estamos promovendo na escola?

5 - será mesmo possível que existam pessoas que “não prestam para aprender”?

segunda-feira, 28 de março de 2005

"Cunhém, cunhém!"



Sim, acaba de nascer mais um blog!

O parto nem foi tão difícil, pois bastou "clicar" em alguns botões, mas a gestação durou uma eternidade. Fazer um blog é fácil, mantê-lo é que pode não ser tão simples e foi pensando nisso que a gestação demorou um bom tempo.

Se tudo correr bem espero postar aqui alguns instantâneos sobre a educação e como eu a vejo. Na verdade ainda não sei muito bem o que dará certo e o que dará errado nesse blog. Isso me cheira à educação, pois nesse ramo as certezas são tão voláteis quanto as nuvens em dias de ventania. E quer saber de uma coisa, isso é ótimo!