terça-feira, 29 de março de 2005

A inclusão da indisciplina ou a disciplina da exclusão?

Há vinte anos atrás era anormal um aluno que teimasse em continuar falando mesmo depois de o professor já ter lhe chamado à atenção umas três vezes seguidas. Inevitavelmente o aluno seria punido, o pai seria comunicado do fato e, conforme o caso e o humor do professor, haveria certamente alguma represália em sua “nota”.

Os alunos mudaram, mas a escola secular resiste às mudanças. Alunos indisciplinados consistem hoje em dia na “média” dos alunos considerados “normais”. O fenômeno é complexo e envolve muito mais do que a mera “quebra de regras de convivência”. Mas eu gostaria mesmo é de tratar nessa reflexão de outro tipo de aluno: o aluno absolutamente indisciplinado ou, usando termos de duas décadas passadas, “o aluno que não presta para aprender”.

Há alunos que simplesmente ignoram a presença do professor na sala de aula e que, não raras vezes, “se incomodam com as constantes interpelações do professor, interpelações essas que acabam por lhes atrapalharem as conversas com os colegas”. Isso pode parecer bizarro aos olhos de alguém que não convivia com esse tipo de aluno há vinte anos atrás, mas mais bizarro ainda é tentar aplicar a esses alunos o mesmo sistema de recompensas e punições que era aplicado naqueles idos tempos que não voltarão jamais (ainda bem!) na esperança de que agora, como foi antes, “os alunos se renderão às virtudes do sistema e se regenerarão”.

Para certos alunos o professor é que hoje em dia se tornou um “incômodo”, um chato que atrapalha sua conversa e parece não compreender que ele, o aluno, tem coisas mais importantes para tratar com seus colegas do que com o professor. Esse aluno absolutamente indisciplinado é o candidato natural para a origem de uma úlcera em um professor que não compreende que ele mesmo, o aluno, a escola e a sociedade vivem hoje uma realidade bem diferente da que viveu o professor há vinte anos atrás.

Esse “aluno problemático” pode ser punido seguidas vezes, pode ser advertido e suspenso até os máximos limites legais permitidos e tolerados e, pode ainda, tranqüilamente, ver “sua nota avermelhar-se como em um passe de mágica”, e tudo isso sem nem ao menos mostrar a menor das preocupações. Esse aluno dificilmente se intimidará com ameaças e punições. Na verdade ele dificilmente compreenderá porque está sendo punido se na verdade “o chato” é o professor e não ele, se o problema está na escola e não nele e, finalmente, se tudo o que ele quer é que parem de lhe atormentar lhe obrigando a “estudar” só porque ele está em um lugar chamado escola.

É claro que nem todos os alunos podem ser enquadrados na descrição acima, mas pelo menos “um por sala” é comum haver. Às vezes dois, três...

O que pensa esse aluno?

1 - que a escola nada tem a lhe oferecer além da possibilidade de se relacionar com outras pessoas de sua comunidade;

2 - que ele nada tem a oferecer à escola;

3 - que assim como ele se vê “ausente” da realidade escolar, a escola também deveria vê-lo como um “ausente” dentre seus objetivos educacionais.

Resumindo, para esse aluno a escola é tão inútil quanto ele, o aluno, pensa ser inútil à escola e à comunidade. A escola o incomoda tanto quanto ele incomoda à escola. A relação entre ele e a escola é meramente circunstancial e não uma relação de “inclusão”. Ele não se sente como “parte de alguma coisa”.

Por fim, chegamos ao ponto: esse aluno é um dos muitos “excluídos” que se esgueiram nas sombras do sistema educacional à espera do dia em que lhe darão um certificado de conclusão e o impedirão de freqüentar as aulas do próximo ano. Quando isso ocorrer ele passará a freqüentar o portão da escola nos horários de entrada e saída, virá nas festas e eventos, vez por outra “visitará” seus antigos professores e reconhecerá o quanto lhes atormentou na vida. Sim, ele não será, necessariamente, uma “má pessoa”, ainda que tenha sido o pior dos alunos.

A “escola inclusiva” que se vê em muitos locais permite a esse aluno de perfil duvidoso e pouco ortodoxo a “presença física nas dependências físicas da escola", mas ela realmente não o integra no processo de ensino. Esse aluno, a rigor, não é indisciplinado, não é um “aluno-problema”, mas sim algo que se sussurra baixinho nas reuniões de professores como: “um caso de inclusão”. O que é o mesmo que dizer: “não ligue não, ele é um excluído que temos que tolerar por força da lei”.

A esse aluno, a quem a escola se sente incapaz de atender (e mesmo compreender), resta apenas esperar que o sistema de progressão continuada e outros dispositivos legais o expulsem depois de cumpridos alguns anos de uma forma mais digna do que a forma como isso teria sido feito há vinte anos atrás, quando lhe diriam claramente que ele deveria ir embora porque “não prestava para estudar”. Hoje as palavras mudaram, a escola tornou-se um pouco mais civilizada e politicamente correta, mas o conceito de “aluno imprestável” ainda resiste nas práticas pedagógicas não declaradas publicamente.

O que é possível fazer para incluir na escola, “de fato”, e não apenas legalmente, um aluno como esse?

1 - ele não sabe ler e nem escrever para poder ser considerado alfabetizado; mal assina seu nome;

2 - não sabe fazer contas, exceto adições e subtrações primárias com as quais convive em seu dia-a-dia de consumidor;

3 - desconhece regras sociais e códigos éticos e morais mais sofisticados dos que aqueles com os quais convive em seu dia-a-dia;

4 - não pretende continuar seus estudos (e nem pretende estudar durante seus estudos);

5 - acredita que tudo aquilo que a escola tem a lhe oferecer ser-lhe-á inútil para a vida;

6 - geralmente se encontra “defasado nos estudos” em relação aos seus colegas de mesma idade e, também por isso, se vê como “um aluno diferente” no ambiente escolar, um estranho no ninho;

7 - e, por fim, não tem nenhuma idéia muito clara de como será sua vida no futuro.

Por onde começar com esse aluno? Como superar sua resistência à escola? O que devemos lhe ensinar? Como devemos lhe ensinar?

É diante dessas questões que muitas vezes a escola decide mais facilmente que é melhor pouco ou nada fazer, enquanto se espera pacientemente que o “aluno problemático” chegue por inércia ao final da escolarização obrigatória, ou que desista antes por força dos incômodos que a escola lhe causará.

Ficam então algumas outras perguntas para refletirmos nos intervalos do cafezinho:

1 - se a escola não serve para ensinar um aluno como esse, que nada sabe e nada quer saber, então para que ela, a escola, servirá?

2 - uma escola que só é capaz de trabalhar com alunos interessados, dispostos e que pouco precisam aprender (talvez apenas os “conteúdos”) é realmente uma escola no sentido próprio do termo?

3 - se esses “casos de inclusão” são reconhecidamente “incômodos” na escola, então porque a escola não se incomoda também com o fato de não saber fazer muita coisa para mudar essa situação?

4 - se esses “casos de inclusão” continuarem a serem vistos apenas como exceções que devem ser toleradas por força de lei e não como alunos com necessidades especiais, então qual é o tipo de inclusão que estamos promovendo na escola?

5 - será mesmo possível que existam pessoas que “não prestam para aprender”?

segunda-feira, 28 de março de 2005

"Cunhém, cunhém!"



Sim, acaba de nascer mais um blog!

O parto nem foi tão difícil, pois bastou "clicar" em alguns botões, mas a gestação durou uma eternidade. Fazer um blog é fácil, mantê-lo é que pode não ser tão simples e foi pensando nisso que a gestação demorou um bom tempo.

Se tudo correr bem espero postar aqui alguns instantâneos sobre a educação e como eu a vejo. Na verdade ainda não sei muito bem o que dará certo e o que dará errado nesse blog. Isso me cheira à educação, pois nesse ramo as certezas são tão voláteis quanto as nuvens em dias de ventania. E quer saber de uma coisa, isso é ótimo!