Todo ano, toda escola, todo mês, toda classe, todo dia, todo aluno, tudo muda o tempo todo. E se não mudarmos também, se não acompanharmos as mudanças e nos inserirmos nelas, o mundo nos mudará assim mesmo e nos tornará ultrapassados e obsoletos. É nesse mundo sempre novo e diferente, onde os problemas já não podem ser apenas obstáculos a nos deterem, mas antes de tudo desafios a serem superados, em que ensinar passa a ser uma arte: a arte de estar sempre aprendendo.
domingo, 10 de abril de 2005
A síndrome da cleptomania avaliacional - II
No post anterior eu abordei a primeira das cinco principais razões que enumerei para tentar justificar porque os alunos colam tanto. Nesse post vou retomar o assunto à partir da segunda razão enumerada.
2 - O aluno se sente inseguro quanto à sua aprendizagem e quer alguma "garantia" de que seu possível mau desempenho não lhe causará maiores constrangimentos.
Os constrangimentos aos quais me refiro são aqueles expostos no post anterior e mais alguns, tais como a humilhação diante dos colegas, a necessidade de fazer outra prova ou uma recuperação, a bronca que recebera dos pais e por vezes o sarcasmo do professor. Enfim, tirar uma nota ruim não é o que deseja a maioria dos alunos, ainda que hoje em dia tenha aumentado significativamente a tendência entre os próprios alunos a desmoralizarem suas notas e a supervalorizarem um desempenho entre ruim e regular; fato esse compreensível, já que a maioria dos alunos se situa nessa faixa de desempenho quando avaliados por métodos de duas décadas atrás.
Assim, vemos também aqui que a insegurança do aluno baseia-se em grande medida no julgamento de valor que ele pressente que sofrerá como conseqüência do resultado que obterá nas provas, mas, além disso, concorrem também para essa insegurança outros elementos importantes, como a falta de parâmetros necessários para que ele avalie seu próprio conhecimento antes da prova e a dificuldade de compreender e se expressar na língua pátria.
Nas últimas décadas as provas têm sido feitas, via de regra, para avaliar um certo “conhecimento” que o professor considera que o aluno deva ter adquirido, mas raramente o aluno é avisado sobre qual conhecimento é esse. Não é nada incomum ouvirmos dos alunos frases como: “o professor não cobrou na prova nada do que ele ensinou” ou, “o professor não falou que esse assunto ia cair na prova”. Curiosamente os alunos geralmente estão “certos” quando dizem isso, muito embora o professor possa sim ter cobrado apenas o que ensinou e combinou que cobraria e não tenha incluído na prova nada que extrapolasse os conteúdos ensinados. Mas como isso acontece então?
Muitos alunos atuais têm dificuldades de leitura e interpretação que tornam a própria compreensão das perguntas um extenuante exercício de adivinhação. Não é raro ouvir deles, durante a prova, frases como “o que é para fazer aqui, professor?”. Além da dificuldade de leitura há a dificuldade de escrita e essa dificuldade não se resume apenas a incorreções ortográficas ou gramaticais, mas sim à própria dificuldade de expressão de suas idéias. Por essa razão também se ouve freqüentemente perguntas como “assim está bom, professor?”, solicitando-se explicitamente que o professor sinalize ao aluno que sua escrita está compreensível na resposta que ele formulou.
Muitos professores consideram que essas perguntas feitas durante a prova são sinais de que o aluno “não estudou” e, por vezes, não se dão conta de que sejam quais forem suas disciplinas elas sempre requerem do aluno uma capacidade considerável de leitura e escrita, além dos “conhecimentos específicos” que estão sendo avaliados na prova.
Um aluno inseguro quanto ao seu conhecimento, com dificuldades de leitura e inseguro quanto à sua capacidade de “expor seu conhecimento” ao professor tenderá, naturalmente, a buscar alguma forma de compensar essa sua insegurança. A “cola”, nesse contexto de insegurança, seja ela feita na forma de anotações devidamente escondidas em algum lugar ou via cópia da resposta do vizinho, é uma maneira de garantir que haverá algum parâmetro de confiabilidade em sua resposta, uma forma de se sentir seguro e amparado. Respostas copiadas de algum resumo, ainda que não estejam corretas para o contexto da questão proposta, têm como fonte o próprio professor ou o livro didático, o que lhes confere alguma confiabilidade. Respostas copiadas do vizinho ao lado têm o peso do elemento psicológico da “companhia”, porque errar em dupla, em trio ou em grupos maiores, é sempre uma situação bem mais fácil de aceitar e assimilar, do ponto de vista do aluno, do que errar sozinho.
Um fato curioso e relevante sobre o qual deveríamos refletir é o de que muitas vezes os alunos colam uns dos outros mesmo que nenhum deles esteja seguro de que a resposta esteja correta. A cola, nesse caso, deixa bem evidente que os alunos estão procurando formar grupos de aceitação mútua onde possam “expiar suas culpas coletivamente” sem que tenham que arcar sozinhos com o ônus do resultado. Isso é facilmente verificável observando-se grupos de provas que trazem as mesmas afirmativas absurdas como respostas. Quando nos deparamos com uma situação dessas há dois caminhos a seguir: ou levamos as provas para a sala dos professores e fazemos piadas sobre os alunos durante o intervalo ou refletirmos melhor sobre as razões que podem levar um aluno a abrir mão de escrever sua própria resposta para copiar de outro aluno uma resposta que muitas vezes ele mesmo percebe ser absurda.
Se as avaliações que fazemos rotineiramente tivessem realmente o propósito de levantar problemas e apontar caminhos, sem que com isso os alunos fossem martirizados e penalizados por elas, talvez grande parte da insegurança que eles apresentam fosse eliminada, pois diante de uma situação em que o erro não é brutalmente penalizado fica bem mais fácil para o aluno conviver com sua própria situação de insegurança e possível erro. Temos exemplos claros disso nas turmas de cursos preparatórios para exames vestibulares, por exemplo, onde nos exames simulados os alunos costumam apresentar resultados melhores do que os apresentados mais tarde nos exames vestibulares “para valer”. Esses resultados melhores são, em boa medida, reflexos de um estado psicológico de relativo descompromisso diante dos resultados que serão obtidos e não resultados artificiais obtidos em “provas mais fáceis do que as oficiais”.
Resumindo, o aluno também “cola” porque isso dá a ele a segurança de que estará reproduzindo um texto “oficial” (“passado pelo próprio professor”) ou de que estará participando de um “grupo de pessoas que compartilharão os resultados” e não, necessariamente, porque ele não tenha nenhuma resposta própria.
No próximo post comento o terceiro motivo pelo qual os alunos colam. Por hora é só. Fui.
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Ora até que enfim "te conheço"!!Demorou...
ResponderExcluirAcerca da cola direi que em Portugal se chama de copianço, usar cábulas, ou mais finamente falando "auxiliar de memória"
Vou ler com mais atencão os teus postes todos. Sei que és bastante crítico em relaão ao vosso vestibuar.
Nesta mensagem te quero dizer que gostei de te encontrar e que a partir de hoje estarei atento.
Aparece em:
http://www.flogao.com.br/inscience
Um abraco
Maria
PS desculpa a falta de c com cedilha mas meu teclado velhinho...tem problema.
Preclaro amigo, se me permite a intimidade, um ponto para sua reflexão : vc parece aceitar - posso estar enganado ou lido mal - com certa facilidade, o perigoso e escorregadio: o de dificuldade de aprendizagem. Para resumir minha posição (o que nem sempre é bom e causa problemas de interpretação): ao isolarmos a idéia de DA, "excluimos" o outro lado da relação, o ensino. Por vezes, o que é marcado na testa do aluno como uma DA é fruto do ensino que, por diversos motivos, não atingiu a tal aluno. Não gosto de disuctir DA sem DE (dificuldades de ensino)...O resto eu continuo a concordar.
ResponderExcluirNelson